No Dia da Visibilidade Trans, 29 de janeiro, a Associação Nacional de Travestis e Trans (Antra) divulga o Dossiê de Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2019. Foram 124 casos no ano passado, sendo que apenas 11 deles tiveram o suspeito identificado pela polícia. Esse número mantém o Brasil como o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo.
Pontuando a urgência da data para a população travesti e transexual brasileira, a banda As Bahias e a Cozinha Mineira fez o show de lançamento do curta-documentário O Fervo no dia 29, com participações das cantoras Liniker e Tássia Reis na Casa Natura Musical, com entrada free para pessoas trans e travestis. Dirigido por Adriana Couto e produzido por Marcos Maciel, o filme se infiltra nos bastidores da apresentação que uniu quatro jovens cantoras e compositoras brasileiras — sendo três delas trans e três negras.
A gente aproveitou a ocasião do show para bater um papo com Assucena Assucena, Raquel Virginia e Rafa Acerbi (As Bahias e a Cozinha Mineira) sobre o documentário, a relevância da data num país como o Brasil e a trajetória de Assucena e Raquel como artistas transexuais. Leia abaixo:
1. O Fervo começou a ser filmado em 2016, quando houve a emergência de uma nova cena LGBTI na música independente brasileira. Como surgiu o convite para vocês filmarem juntos?
Assucena: O documentário foi idealizado depois de a Adriana entrevistar a gente sobre o show Salada das Frutas — que inicialmente reunia as Bahias, Liniker, Tássia Reis e Rico Dalasam, mas depois seguiu sem a participação do rapper paulistano — para o programa Metrópolis (TV Cultura). Esse projeto chamou muita atenção por ter reunido artistas que fugiam um pouco dos padrões estéticos com os quais o mainstream está acostumado no Brasil. O Salada das Frutas também visava empoderar a nossa beleza: de três mulheres trans e mais uma mulher negra, gorda e super-empoderada.
A Adriana assistiu a um dos shows do Salada das Frutas, gostou e depois convidou a gente para um show na Casa de Francisca e para uma conversa, resultando nesse documentário que pontua esse novo momento da música popular brasileira.
2. Que mudanças vocês sentiram de lá pra cá, no que diz respeito a ser artista e LGBT?
Raquel: A gente ainda é uma novidade no Brasil. Uma novidade boa, desafiadora, que abre horizontes, que gera polêmicas, mas faz também as pessoas renascerem, repensarem.
É incrível estarmos num lugar em que oferecemos música e bem-estar para as pessoas. E que bom que hoje existam figuras como a gente nessa posição, de artistas, criadoras, pensadoras. É muito bom ver mais nomes de pessoas trans aparecendo e reaparecendo, ocupando esses espaços.
3. Qual é a importância de ter um Dia da Visibilidade Trans, apesar de já existir um mês para o público LGBT?
Assucena: O termo “visibilidade” já resume a intenção deste dia: colocar essas pessoas, que são massivamente invisibilizadas, em pauta. A população trans tem um déficit empregatício maior que qualquer outro grupo em vulnerabilidade social no Brasil.O principal lugar do mercado de trabalho das mulheres trans é a prostituição. Mas não é a prostituição como escolha, e sim a prostituição compulsória, que vem de uma estrutura social historicamente machista e transfóbica.
Quando se instaura um Dia da Visibilidade Trans também se traz à luz do sol que essas pessoas existem. Aquele ditado “bota a cara no sol, Mona” faz muito sentido, considerando que a imagem das pessoas trans está muito vinculada à noite, justamente por causa da prostituição. Ainda é muito difícil vermos pessoas trans de dia no transporte público, em filas de museus, trabalhando em profissões que não sejam marginalizadas.
Texto publicado originalmente na Newsletter #16 da Casa Natura Musical, disparada no dia 28/01/2020.