Brasileiro ouve muita música brasileira. De acordo com uma pesquisa do Spotify, somos o país que mais ouve a própria música dentro da plataforma – o que é um dado ótimo, em termos de soberania cultural e “pouca propensão” a se render à indústria musical estrangeira (esse “pouca propensão” vai entre aspas porque essa é uma discussão com muitas nuances que, infelizmente, não temos espaço para tratar aqui).
O mais fácil dos argumentos de o porquê os países hispânicos da América Latina, diferentemente do Brasil, consomem, majoritariamente, as mesmas músicas é “a língua que os une”. E a mesma pesquisa do Spotify aponta que os nossos hermanos compartilham o top charts da plataforma com a Espanha. Todo mundo fala a mesma língua, então dá pra entender por que todo mundo ouve a mesma música, certo?
Mas, se fosse tão simples assim, por que nós, brasileiros, falantes de português, quase não ouvimos música portuguesa?
Bem, essas são perguntas de respostas extensas e não temos a pretensão de respondê-las aqui. Só que, intrigades por esses questionamentos, a gente resolveu aproveitar a passagem do duo português Fado Bicha pelo Brasil, depois do show aqui na Casa no dia 7 de julho, e perguntar a elas o que elas indicavam para gente ouvir e conhecer mais da música portuguesa contemporânea.
Como a própria Lila Fadista disse no dia da entrevista, as indicações das duas não são muito convencionais, porque elas são artistas da cena underground portuguesa, então, “nada mais justo e importante do que colocar luz sobre artistas que também são da cena underground portuguesa”. Leia e ouça abaixo as dicas do Fado Bicha.
Vaiapraia – 100% Carisma (2020):
“Vaiapraia é um músico queer que faz parte da nossa comunidade, é nosso amigo. Seu segundo disco, 100% Carisma, foi produzido pelo brasileiro Adriano Cintra (ex-CSS), na época em que este morava lá em Portugal. É um álbum queer punk, queer core. E é um álbum que adoramos, pois é muito bem construído. As letras são maravilhosas, as melodias são ótimas, é muito poderoso do ponto de vista musical. E traz todo um universo com o qual nos relacionamos muito. É um álbum maravilhoso.”
A Naifa – Não Se Deitam Comigo Corações Obedientes (2012)
“Esse álbum – e a própria banda, que não existe mais – nos emociona muito, porque ele convoca aquela fronteira entre o subúrbio e o centro da cidade, como esses espaços se ligam. Para nós, que crescemos fora do centro de Lisboa, faz-nos muito sentido pensar sobre essa ótica de encarar a capital. Eles transformam a poesia urbana e convidaram vários poetas contemporâneos para escreverem as letras do disco, depois transformadas em canções, que nos convocam a pensar sobre o dia-a-dia, da vivência que é partir do subúrbio para a capital todos os dias e tudo o que isso implica.”
Capicua – Capicua (2012):
Capicua é uma rapper do Porto e este é o primeiro álbum dela. Portugal é um país com uma tradição muito machista e de muita invisibilização das mulheres. E isso se nota de muitas formas, inclusive no rap. Talvez seja a primeira rapper mulher portuguesa a ganhar bastante visibilidade, tendo trabalhado com muitos artistas conceituados (inclusive Emicida), sendo ela própria uma artista já firmada no cenário português. É uma pessoa que escreve muito bem, que resgata as temáticas feministas e do próprio conceito e lugar da mulher para um espaço de empoderamento. É um álbum de referência no rap e na música portuguesa no geral.