
Teago Oliveira recebeu a missão de fazer o último show de 2025 da Casa Natura Musical. Ele sobe ao nosso palco no dia 14.12 para apresentar seu novo disco solo, Canções do Velho Mundo, lançado em outubro deste ano.
Em entrevista à Casa, o artista demonstrou estar preparado para encarar a responsabilidade, já que os primeiros ensaios e experiências ao vivo com o álbum o deixou positivamente surpreso: “Dá vontade de voltar no tempo e gravar ao vivo com a banda toda”, brincou. O espetáculo ainda contará com a participação de Silvia Machete, que colabora na faixa “Vida de Casal” e com quem Teago reinterpretou “Pessoa Nefasta”, de Gilberto Gil.
Conhecido como vocalista da Maglore, Teago admitiu que os fãs de sua banda e o público de sua carreira solo não costumam se misturar. “Mas as músicas são minhas de qualquer forma, sou eu quem está fazendo. Esquisito, né?”, refletiu. Outra faceta de destaque de Teago, mas talvez menos conhecida, é a de compositor. Ele é autor de canções como “Não Existe Saudade no Cosmos” e “Motor”, por exemplo, que ganharam versões de Erasmo Carlos e Gal Costa, respectivamente.
Ainda que o músico seja dono de um currículo invejável, há quem acredite que é Teago — ou a Maglore — quem gravou faixas de Gal ou Erasmo. “Não é que eu merecesse mais — eu não sei se mereço mais, o tempo vai dizer —, mas eu poderia ter mais reconhecimento”, ponderou ao ser perguntado sobre uma série de publicações que fez sobre a morte de Lô Borges e a suposta falta de reconhecimento de seu trabalho em vida. “O que me irritou no caso de Lô Borges foi a hipocrisia das pessoas que não o conhecem. Está na moda tirar casquinha da morte de alguém, porque as pessoas simplesmente se deleitam quando um post delas tem 10 mil likes.”
Teago esclareceu que, embora seja difícil perfurar a bolha do mainstream, ele não se sente desanimado. Além disso, lançou um olhar otimista sobre as novas gerações de ouvintes da música brasileira, destacando que os jovens têm dado play na MPB com cada vez mais frequência.

As letras contidas em Canções do Velho Mundo também falam sobre desacelerar, verbo que não combina com São Paulo. O cantor baiano vive na cidade há cerca de 13 anos, mas confessou que sente falta de Salvador: “Sinto saudade sempre”. Mas a capital paulista não é tão ruim assim — ou, ao menos há uma década, não era. “Acho que ainda tem coisa para viver aqui, mas a cidade se transformou muito nos últimos anos. Eu cheguei aqui em 2012, e a cidade tinha outra vibe, assim como o mundo. A cidade respirava a cultura de uma forma muito mais bonita”, lembrou o artista.
Para o novo álbum, Teago mergulhou em uma jornada independente. “Eu precisava fazer assim, depois eu vejo como recupero esse dinheiro”, disse logo após revelar que investiu em diversos equipamentos para criar a sonoridade ideal para Canções do Velho Mundo. Entre os itens dos quais não planeja se livrar, ele mencionou seus violões e guitarras, além de uma bateria conhecida como Pinguim Gota. O artista lamentou, porém, que se sente “sozinho no rolê”, porque precisou cuidar de todas as etapas de produção, distribuição e divulgação do projeto desacompanhado.
As pedras no meio do caminho estão longe de servir como empecilho para que Teago deixe de criar música: “Acho que a grande pira é experimentar coisas enquanto ainda há fôlego, já que eu não vou seguir lógica nenhuma de mercado”. A próxima empreitada do artista pode ser um disco dedicado a reinterpretações da obra de grandes mestres brasileiros. “Os compositores baianos são imprescindíveis para mim: Fábio Cascadura, Ronei Jorge, Diego Fox, que é da Suinga, Carlinhos Cor das Águas — um músico inacreditável, tem composições absurdas —, alguma coisa mais para o lado de forró… Mas eu não ficaria restrito só a música baiana”, adiantou.
Teago ainda falou sobre seu time do coração, o Tottenham, a admiração pelos Beatles, o amor em suas letras e mais. A seguir, confira a entrevista à Casa Natura Musical na íntegra.
Casa Natura Musical: Antes de tudo, quero muito saber por que você torce para o Tottenham.
Como você sabe disso? Que time desgraçado!
Eu não sei. Tenho uma história muito engraçada com futebol. Era muito apaixonado por futebol quando pequeno. Eu era vascaíno e sofria muito bullying por ser vascaíno. E aí, meio que comecei a torcer para o Flamengo por pressão da galera, da rua, etc. Só que o brilho no meu olho já tinha ido embora com o futebol, sabe? Eu torcia para o Flamengo, gostava, comemorava, mas não tinha a mesma sensação. Acho que sempre gostei de sofrer mesmo.
O tempo passou, me distanciei completamente do futebol. Uns amigos começaram a jogar FIFA [EA Sports FC] lá em casa em 2010, 2012… Comecei a jogar FIFA também e levei isso adiante. E aí, comecei a acompanhar os times da liga inglesa, porque comecei a assistir à Premier League, que é uma liga muito legal para assistir. Campeonato Brasileiro, eu não assisto tanto, porque é meio precário. Você vê que a Premier League é massa de assistir. Você assiste Wolverhampton contra Brighton e é jogão, sabe? Na época, me encantei com o Harry Kane, com o Son [Heung-min], e fiquei apaixonado pelo Tottenham. Falei: “Pô, velho, o time é que nem eu — ele é bom, mas não ganha”. Me identifiquei com o time. E não sabia que o time era tão ruim, né? Ele não parecia tão ruim quanto ele é. E só foi piorando ao longo dos anos, mas fui torcendo de verdade mesmo, de passar mal pelo time. E é muita burrice, né? Já me sinto bobão de torcer para um time gringo. Aí você torce para um time gringo e um time ruim… É f*da. Triste. Muito boa a pergunta.
CNM: Você já comentou que seu primeiro álbum, o Boa Sorte, é mais confessional do que o Canções do Velho Mundo. Muito do amadurecimento que você relatou em outras entrevistas aparece nas letras das suas faixas. O que colaborou para que Canções do Velho Mundo tomasse o rumo que tomou e te fizesse amadurecer musicalmente?
Eu acho que foi o tempo fazendo o disco mesmo. Em 2019, eu fiz esse disco pelo Edital Natura Musical, inclusive, que me permitiu fazer ele do jeito que eu queria fazer. Foi muito mais um experimento que eu precisava fazer para chegar até aqui do que um disco que tinha uma finalidade em si, sabe? Consegui experimentar muita coisa por conta do Edital e fazer um disco com um som muito diferente do que eu faria se eu estivesse numa gravadora, por exemplo, ou se eu tivesse que cumprir meta ou um rigor estético de alguém que estava ali.
Acho que, com o tempo, fui fazendo os discos e amadurecendo. Teve dois discos da Maglore depois [V (2022) e Acústico (2024)], e acabei me envolvendo mais com essa coisa de estúdio, de fazer em casa. Fui acreditando mais no meu processo criativo e na minha intuição.
Às vezes, a gente não sabe se é paranoia ou intuição, mas geralmente é intuição. Nesse disco… Eu sempre fiquei com uma pulga atrás da orelha em relação a som — em relação a chegar no som que estava na minha cabeça e por que não ficava igual quando eu trabalhava com os outros. Esse disco foi tira-teima para ver se o problema são os outros ou se sou eu mesmo. E realmente o problema são os outros. Brincadeira, brincadeira.
Eu precisava imprimir uma linguagem que está dentro da minha cabeça. Nesse disco, consegui fazer isso de uma forma mais fiel ao que eu imagino que seja uma música. Isso não quer dizer que é melhor ou pior, entendeu? É apenas diferente. Mas acho que, nesse disco, eu consegui explorar mais as coisas que estão dentro da minha cabeça e que com a banda não é possível colocar em prática, porque preciso respeitar o movimento da banda em si. Até porque, senão, não vira banda, né? Se você não respeitar o movimento de uma banda, você está destruindo ela. Tenho uma ótima relação com a Maglore. Tomara que dure enquanto a gente tiver mágica para fazer acontecer a música. Ainda tem bastante.

CNM: Como que você gerencia todas essas suas facetas? Tem o Teago da Maglore, o Teago da carreira solo e o Teago conhecido por composições gravadas por Gal Costa e Erasmo Carlos, por exemplo. Então, como você transita entre uma coisa e outra?
Na verdade, eu não gerencio. Acho que ninguém gerencia, né? Se eu soubesse gerenciar, todo mundo saberia que “Motor” é uma composição minha e que eu tenho uma carreira solo. É muito engraçado acompanhar o tempo passando, né? Se a Maglore, por exemplo, surgisse hoje, ela enfrentaria mais dificuldades ainda do que quando ela surgiu. Hoje, o cenário é mais difícil ainda para quem surge. Naquela época, em 2010, o espaço era mais democrático para você ser um artista sem costas largas. A coisa acontecia de verdade, era o Myspace, você não tinha o Spotify, você não tinha algoritmo trabalhando a favor e contra aquela situação. Tudo era muito mais democrático. Foi nesse momento que a gente se inseriu — e a gente sobreviveu a toda essa transformação da música. Abrimos shows de muitos artistas incríveis que hoje não existem mais. Atravessamos o tempo e vimos vários artistas incríveis morrerem. De alguma forma, a gente continuou ali.
Nunca fomos os preferidos da galera, do hype, mas também nunca fomos expulsos do rolê. Aprendemos a correr pela tangente. O Boa Sorte foi muito bem. Tudo estava confluindo, em termos de tudo, até de algoritmo. Tudo isso já existia em 2019. Muita coisa mudou de lá para cá, e o mercado piorou ainda mais. Todo mundo sabe que o mundo mudou muito depois da pandemia. Só que o disco foi lançado em outubro de 2019 — e eu tenho até medo, dá até uma sensação de ansiedade, por lançar esse disco agora e alguma coisa acontecer, porque tenho trauma do que aconteceu com o Boa Sorte. Estava tudo indo muito bem e, de repente, eu precisei parar o negócio inteiro, e o disco não teve fôlego e ficou esquecido.
O público do meu disco solo estava caminhando para ser um público mais de MPB, um público mais abrangente. O da Maglore é um público um pouco mais nichado, de rock alternativo. Hoje, isso está mudando, mas acabou que um não entrou em congruência com o outro. O público da Maglore ouviu o meu disco e disse: “Não, eu estou aqui pela Maglore”. E eu acho isso massa, de certa forma. Já teve gente que chegou no meu show solo e falou: “Eu não curto Maglore”. Beleza! Mas as músicas são minhas de qualquer forma, sou eu quem está fazendo. Esquisito, né? É a cabeça de cada um.
Nesse meio tempo, veio essa coisa de eu ser compositor, veio a nova geração… Eu queria dizer que eu não sou da nova geração — já não sou tão novo assim. Participo da nova geração, ainda estou com a nova geração, porque sobrevivi. Mas meu chip é um pouco mais desatualizado. Eu sou do iPhone 6, do 4, mas o aparelho ainda funciona. Rolou essa coisa de que eu sou compositor… Foi sorte, e a coisa aconteceu no tempo certo. Acho que o Marcus Preto fez essa ponte da minha música para esse lado de composição por conta da música que ele apresentou para Gal [Costa] e para Erasmo [Carlos], dois artistas com quem ele estava trabalhando. Os dois olharam para ele e falaram: “Isso é single”. As pessoas acham que eu compus para eles, mas, na verdade, eles estavam regravando músicas da Maglore. Se me pedirem para compor algo, talvez a música não fique boa. O poder é limitado. Sou menos do que vocês estão imaginando, mas, ao mesmo tempo, mais, porque é uma regravação de uma música que já estava ali.
Hoje, entendo que o caminho da música está cada vez mais aleatório, precisa de estrutura mesmo para fazer a coisa rodar. Mas eu acho que isso também não é motivo para desanimar. Vejo uma galera desanimando com música, mas só temos que dar uma controlada nas expectativas. As expectativas da galera são muito instagramáveis.
CNM: Eu acompanhei a sua revolta com a morte do Lô Borges. Vi você falando sobre o que eu vou chamar de “reconhecimento tardio”… Quero saber se você também se coloca neste lugar: não sente que o reconhecimento chega na hora certa.
Eu acho que todo artista, que não seja Michael Jackson ou Paul McCartney, vê a grama do outro mais verde, por natureza. Se eu tivesse um milhão de seguidores e estivesse tocando em um filme de Hollywood, ainda sentiria que falta alguma coisa. Aquele filme, Soul, da Disney, é muito bonito. A ideia do cara jazzista é exatamente essa. Quando ele chega no lugar que sempre se imaginou, o mundo dele cai. Amanhã você volta e faz a mesma coisa.
Não é que eu merecesse mais — eu não sei se eu mereço mais, o tempo vai dizer —, mas eu poderia ter mais reconhecimento. Tenho capacidade suficiente para ser mais reconhecido, mas, por algum motivo, não sou. Vou ficar quebrando a minha cabeça, imaginando por que eu não sou? Já entrei nessa. Tipo: “Não sou bom o suficiente, talvez eu tenha que fazer discos melhores para competir, etc”. Só que nesse meio do caminho, Gal Costa e Erasmo Carlos gravaram minhas composições, eu vou num show no Acre e tem 500 pessoas se rasgando, cantando as músicas…
O que me irritou no caso de Lô Borges foi a hipocrisia das pessoas que não conhecem o Lô Borges. Está na moda tirar casquinha da morte de alguém, porque as pessoas simplesmente se deleitam quando um post delas tem 10 mil likes. É uma coisa deplorável. Lô Borges é um artista incrível, e eu acho que ele foi subestimado — porque se você faz o melhor disco da história da música brasileira e não tem o devido reconhecimento, você é subestimado. Se fosse eu, até entenderia meu lugar, porque não fiz o melhor disco da música brasileira. Se eu tivesse feito, talvez ficasse revoltado. Por que os shows dele não estavam lotados? Sou amigo dos músicos que tocavam com ele, via o dia a dia dos caras e a devoção que eles tinham por um cara que era um dos maiores.
É que fama é uma coisa muito subjetiva. A fama foi para o Milton [Nascimento] — que é um deus também —, mas o Lô Borges era do mesmo panteão. Talvez eu esteja sendo um pouco bondoso demais com ele, porque Milton realmente é um caso muito à parte da música mundial. É meio difícil mesmo. As pessoas só quiseram reconhecer o Clube da Esquina agora. Tem gente que nunca ouviu falar e estava cheio de opinião, é isso o que mais me irrita na internet hoje em dia.
Ele também não merecia ir desse jeito. Foi um negócio muito triste. O cara estava bem, com show marcado, ia fazer a turnê com Beto Guedes, que também é sensacional… Mas fico com esperança de que a galera revisite mais os artistas antigos. Se a galera revisitar, vai descobrir o ouro de novo, principalmente a nova geração. E parece que a nova geração está fazendo isso, já está escutando mais MPB. O ouro estava ali brilhando, mas a galera não faz [homenagens] em vida. Olha o tanto de felicidade que ele poderia ter tido se as pessoas resolvessem falar dele, como em um programa de TV f*da. É isso que falta para um monte de gente. Falta para Guilherme Arantes, para uma car*lhada de artista f*da.
CNM: Canções do Velho Mundo também é sobre deixar a pressão dos algoritmos de lado, né? Você se sentiu mais dentro dessa emboscada da internet, dos algoritmos, quando você veio para São Paulo? Sei que faz muito tempo, mas pensei sobre isso ao ouvir “Sou de Salvador”. Você sente saudade de lá?
Trocando a ordem: sinto saudade de Salvador sempre. Considero que uma parte de mim já é paulistana, apesar do sotaque não estar completamente paulistano. Quando eu chego lá em Salvador, a galera fala que eu só falo paulistês. Então, o meu sotaque está meio híbrido. Para você, eu sou baiano, mas para eles, possivelmente, eu sou paulista. Sinto saudade de Salvador sempre e penso em um dia voltar, mas também gosto muito de São Paulo. Acho que ainda tem coisa para viver aqui, mas a cidade se transformou muito nos últimos anos. Eu cheguei aqui em 2012, e a cidade tinha outra vibe, assim como o mundo. A cidade respirava a cultura de uma forma muito mais bonita.
Essa coisa do algoritmo realmente pegou após a pandemia. Eu amo tecnologia. Sou viciado em tecnologia e ligado em tudo que há de novo. Meu pai é físico, então adoro muita coisa de tecnologia e espacial — tem a música chamada “Spaceships” no meu disco… Os algoritmos não estão nos matando. Na verdade, são as empresas que estão nos matando. As empresas estão massacrando o cidadão. Hoje, para você assistir a um filme, você tem que pagar. Aí você paga mais dentro do serviço, mas para você ver o que quer tem que pagar mais ainda. Nossa vida virou pagar assinatura, isso ficou uma maluquice.
A forma de consumir arte e televisão acabou mudando também, para seguir as tendências. É um disco que aborda um pouco do porquê dessa velocidade. Você pode evoluir e ir para a lua de novo, mas não precisa seguir um padrão tão plástico, tão rasteiro, quanto os padrões que a gente está vivendo hoje. As pessoas estão com o mesmo rosto! Você olha na televisão e está todo mundo com a mesmíssima cara de filtro do Instagram de 2016. As pessoas não usam mais filtro porque as caras delas já estão iguais — se botar o filtro, vai duplicar aquela cara. E não é só isso: é a forma de se vestir, de se comportar, glamourizar e gourmetizar tudo. A gente não precisa disso. Esse é um dos capítulos do disco, que vai para um lado de poesia. É uma forma de ser um tipo de resistência sem levantar um panfleto. Eu já também não tenho idade para ficar panfletando. Também nem quero panfletar nada para ninguém. Cada um que faça as próprias conclusões. Só quero fazer minhas músicas e viver a vida.
CNM: Acho que o disco termina justamente com essa mensagem. Antes de falarmos sobre “Spaceships”, pode me contar mais sobre sua relação com Fábio Cascadura, para quem você faz uma espécie de homenagem em “Sou de Salvador”?
Fábio Cascadura é muito subestimado também. Muita gente não ouviu, muita gente não conheceu o trabalho dele — e deveria conhecer. Cascadura é uma banda que foi um norte para a Maglore no início. E Fábio me ajudou. Eu sou muito grato a Fábio, ele me ajudou bastante, tanto em conselhos… Porque ele ouviu a Maglore cedo, na época do EP, enquanto ele estava em outra fase. Ele sentiu que existia alguma coisa diferente no nosso som e nos incentivou, nos chamou para abrir show. Ele tem uma carreira absurda, é um compositor absurdo. Hoje, ele mora no Canadá, é professor de história e tal.
Costumo dizer que essa geração…. Giovanni Cidreira, por exemplo, que tinha a Velotroz — uma banda que achavam que era rival da Maglore, inclusive, na época, mas mal sabiam que um ou dois anos depois, durante toda aquela parafernalha que rolava em Salvador de banda versus banda, Giovanni estaria dormindo em casa, em São Paulo, aqui na Vila Mariana… Nós somos filhotes dessa geração, desse gap de Cascadura, Ronei Jorge, Retrofoguetes e dessa coisa do rock da Bahia. Surgimos aí, com Vivendo do Ócio. Eles são um grande alicerce de inspiração para a gente. Cascadura tem música surreal. Eu planejo gravar músicas de Fábio, de Ronei, e fazer um disco só com músicas deles, apresentando esse cenário da Bahia. Fábio, grande cara.
CNM: Fiquei sabendo que seu próximo disco pode ser um de interpretações, conforme disse em outra entrevista. O que seria imprescindível nesse álbum?
Os compositores baianos são imprescindíveis para mim: Fábio Cascadura, Ronei Jorge, Diego Fox, que é da Suinga, Carlinhos Cor das Águas — um músico inacreditável, tem composições absurdas —, alguma coisa mais para o lado de forró… Mas eu não ficaria restrito só a música baiana. Tenho vontade de fazer esse outro trabalho.
Acho que a grande pira é experimentar coisas enquanto ainda há fôlego, já que eu não vou seguir lógica nenhuma de mercado — já decidi isso para minha vida. Tenho que sair experimentando várias coisas mesmo, tenho toda a liberdade do mundo, não posso perder tempo fazendo só a mesma coisa. Então, penso em fazer um disco, quem sabe, de forró, moda antiga, misturado com moda nova, um disco de piseiro, inusitado. Não tem nada a ver, né? Mas eu acho que daria bom.
CNM: Você contou sobre “Spaceships” e falou sobre seu pai. A música tem alguma relação com ele?
Não. Usei “Spaceships” para ilustrar, porque meu pai é físico, então tem muita coisa de informática… A gente adora tecnologia. Mas “Spaceships” faz uma analogia entre um término de relacionamento e o futuro da humanidade. Tentei criar uma metáfora entre os caminhos que o homem está indo e um relacionamento terminando.
CNM: Essa faixa tem a participação do Eric Slick. Em “Vida de Casal”, há a participação de Silvia Machete. Como aconteceram os convites para eles se juntarem a você e como foi trabalhar com os dois?
O Eric é um cara muito generoso, um artista de uma banda que eu gosto muito, Dr. Dog, minha banda contemporânea americana preferida. E eu conheci ele através da internet. A gente começou a trocar ideia e um dia ele disse que seria legal se a gente fizesse alguma coisa juntos. Mas eu já tinha feito “Spaceships”, eu estava terminando a letra dela. Mandei para ele, e ele falou: “Ah, eu cantaria nessa música aí”. Eu falei: “Então vamos nessa”. E ficou legal! A música é toda em inglês, mas não pretendo fazer muita música em inglês. Às vezes calha de você não conseguir fazer em português. E aí, acabei fazendo ela em inglês mesmo. Achei que ficou mais condizente com o que queria passar para a música. E achei massa a participação dele. Ele é um cara muito massa, um artista muito, muito massa. Ele toca com muita gente, já gravou bateria no disco da Taylor Swift. Enfim, foi muita coisa.
E a Silvia, a gente fez o lance do “Pessoa Nefasta” no início do meu disco. Meu disco começou a ser gravado em junho ou maio. A bateria da versão de “Pessoa Nefasta” foi gravada aqui em casa. Foi aí que implorei para o Thiaguinho Silva gravar a bateria de algumas músicas do meu disco. E como eu já tinha feito esse feat. com Silvia e “Vida de Casal” estava pronta… Tinha essa coisa de um tom ser muito mais alto do que o outro, que é uma oitava acima. Achei muito esquizofrênico fazer isso no disco. Ao vivo, eu até entendo, mas no disco eu acho demais. Acho muito pomposo você fazer um negócio numa oitava aguda e, depois, fazer o grave. E aí eu falei: “Vou ter que chamar alguém”.
Não gosto de disco com feat., mas chamei mesmo assim, porque tinha que ter outra pessoa cantando mesmo. A gente não fala muito espanhol. Ela fala inglês perfeito, morou em Nova Iorque há muitos anos. O lance dela é mais o inglês mesmo. Mas ela é muito desenvolta. Silvia tem essa coisa do teatro, do circo também. É uma artista muito difícil de constranger. Geralmente, se for para constranger, é ela que constrange a pessoa. Ela é meio que inquebrável, nesse sentido de timidez. Ela domina o palco. No início, ela estava com um timbre de voz muito fatal, muito poderoso para a música. E aí eu falei: “Não, Silvia, eu acho que é mais…” E ela: “Eu sei, você quer uma mulher meiguinha”. E aí ela começou a cantar com outra voz. Eu disse: “Nossa, Silvia, você não vale um centavo. Está perfeita essa voz aqui”. Foi muito engraçado, ela é muito divertida. E ficou massa a voz dela na música. Casou certinho, sabe? Ficou fofo.
CNM: Cada música tem uma sonoridade diferente, e sua voz muda bastante. Em “Spaceships” até me perguntei se era você mesmo cantando. Por que você foi por esse caminho? Talvez não tenha sido algo muito consciente, mas como se sente se aventurando de tantas formas — em sonoridade, em língua…?
O lance de “Spaceships” é que o próprio timbre do Eric se confunde com o meu timbre. No início você se pergunta quem é quem, mas depois consegue perceber quando sou eu. A minha voz é um pouco mais aguda e mais calminha que a dele. A dele é um pouco mais gritada na música. Só que quando a gente canta em outro idioma — eu não sabia disso — a voz muda. A minha voz falando inglês é diferente. Não sei por quê. Talvez eu não domine o idioma o suficiente para soar como a minha própria voz. Mas acho que muda mesmo. Já ouvi alguém falando isso. E em espanhol, muda. Acho que é porque a minha voz falando já tem um tom muito alto.
Tem uns lances do Paul McCartney, quando ele ia para o grave, eu ficava me perguntando quem estava cantando no disco dos Beatles, porque eu não conseguia identificar a voz. E era ele que fazia duas vozes na música. Eu não tenho essa manha, não. Também não tenho essa autoconfiança, porque eu também não sou o Paul McCartney. Mas fiz do jeito que dava para fazer. E tenho um pouco de inquietação quando sinto que as músicas, os arranjos ou a sonoridade estão ficando parecidos. Acho que a sonoridade tem que ser parecida globalmente, mas música por música, tudo igual… Eu não consigo, apesar de gostar de bandas como Ramones, cujas músicas eram muito o mesmo som, uma atrás da outra. Mas eles sabiam fazer de uma forma genial. Não consigo e nem me sinto confortável fazendo assim. Por isso que eu acho que o disco fica tão misturado. A gente também é brasileiro, então temos referências de músicas do mundo todo: de música inglesa, americana, brasileira. Então, ficar dentro da mesma caixinha… Lá os caras só têm aquilo, só aquele rock. Aqui, a gente tem Tropicália, tem forró… “Coisa Boa”, por exemplo, tem muito de Gilberto Gil ali, tipo um baião… E eu gosto de explorar isso, não ficar numa linguagem só. Minha música funciona quando eu vou para lugares diferentes.
CNM: Acho que é uma forma de explorar a voz como instrumento mesmo… Quando fala do Paul McCartney, quais músicas te vêm à mente?
Cara, várias músicas. Em “A Day in the Life”, ele faz isso. “Why Don’t We Do It in the Road” também. Em várias, ele canta assim. Só que a voz dele é aquela vozinha. Aí você fica meio… Quem é que ele tá imitando, sabe? Eu curto essa onda, eu gosto dessa pira. Gosto muito do Paul. O tempo passa e a gente envelhece… Envelhecer é você descobrir que talvez o Paul é o cara mais importante dos Beatles, embora meu Beatle favorito seja John Lennon. O meu Beatle favorito é John Lennon por causa de Paul McCartney, porque, se não fosse ele, não seria nem John Lennon, não teria essa oportunidade. Hoje eu o considero o melhor músico de todos os tempos. Se você olhar a carreira e a forma como ele conduziu tudo, não tem como… Em termos de música, de composição, de criação, ele foi o maior da música pop.
CNM: E Canções do Velho Mundo é um disco independente. Como foi essa jornada e esse fazer analógico? Você gravou na sua casa, né?
Não posso dizer que na minha casa tem um home studio. Dei uma investida meio pesada aqui no estúdio, sabe? É um quarto grande que virou um estúdio com uma curadoria de equipamentos que sempre quis ter e que fui montando ao longo do tempo, porque eu não sou milionário. Foi bem difícil essa questão financeira, porque fui comprando loucamente as coisas, e estava meio que virando o jogo do tigrinho. Eu gravei aqui e no Fleeting Media, que é um estúdio de um amigo meu de alto padrão em Pinheiros, com equipamentos muito difíceis de encontrar no Brasil.
Às vezes, a galera acha que foi um disco independente porque eu não tive recursos, mas, na verdade, foi o contrário: talvez, se eu estivesse numa major, eu não tivesse recursos suficientes para fazer desse jeito, a não ser que a galera acreditasse muito no meu som — o que é muito difícil, porque, comercialmente, talvez eu não dê para eles o resultado que esperam. E também foi romantismo demais fazer tudo independente, porque é muito difícil. Não quis mesmo, de propósito, eu falei: “Não vou fazer com nenhuma major, vou fazer com quem quer trabalhar comigo”. E estou colhendo as consequências, porque tem uma galera me ajudando, mas realmente existe alguma coisa por trás do poder alheio que faz girar, porque é difícil fazer girar sozinho. Mas, de certa forma, para um disco que foi inteiramente pago individualmente — não tive lei de incentivo, foi tudo com minhas economias, que já não existem mais por conta desse disco — foi massa.
Eu precisava fazer assim, depois eu vejo como recupero esse dinheiro. E se eu não recuperar, um dia eu vendo essas coisas aqui. E não está me afetando ainda, é um tipo de investimento, né? Estúdio é um investimento que vira fetiche.
É um disco que tem esse lado analógico que eu gosto muito. Comprei uma mesinha analógica antiga, dos anos 70 — e aí você vê que o bagulho dos anos 70 às vezes tem mais som do que as Apollo que eu tenho, que é um negócio universal, que é caro, moderno e tal. Você vê que antigamente as peças eram mais bem fabricadas. Foi um grande aprendizado sobre várias coisas: sobre som, mixagem, produção de disco. Foi uma delícia fazer esse disco, só que ele tem consequências também, né?
A consequência de fazer ele sozinho é essa. Eu também me sinto sozinho no rolê. Sinto que a galera até tenta ajudar, mas o filho é meu. Tem uma frase baiana: você que pariu Mateus que balance. A galera não vai segurar a onda por mim, vou ter que fazer tudo e correr atrás para registrar, editora, junta comercial. É muita burocracia! Ao mesmo tempo, a gente tem que pensar em Instagram, tem que pensar em vender, tem que produzir conteúdo. Toda vez que eu falo em produzir conteúdo, vem um emoji na minha mente. Produzir conteúdo é muito difícil para mim, porque tem muita coisa para fazer antes de produzir o conteúdo. E o conteúdo precisa ser muito real, senão eu olho para a postagem e falo: “Meu Deus, que coisa horrível”, e apago. Não sei como vocês aguentam, deve ser um tormento do car*lho.



CNM: De qual equipamento que você comprou durante esse processo você não se livraria de jeito nenhum?
Rapaz, muitos. Ali tem as guitarras e os violões… Não dá para me livrar de nenhum ainda, mas eu preciso, porque estou começando a ficar sem espaço. Não dá para me livrar dessa bateria aqui, ela foi super barata e é uma das primeiras baterias brasileiras feitas, uma Pinguim Gota. O som é muito, muito, muito, muito, muito muito legal. Parece muito uma Ludwig, como a do Ringo [Starr], sabe? Talvez dê para me livrar de um treco desse, um periférico. Posso vender esses coles…
Mas o que eu realmente não venderia, de jeito nenhum, é essa mesinha, muito simplinha, que eu comprei no mercado do Facebook de uma senhora que estava vendendo as coisas do marido que faleceu. Eu não sabia que tinha um bicho desse no Brasil — e foi super baratinho, baratíssimo. Não venderia nem a pau, sonzinho maravilhoso. Mas principalmente as guitarras e os violões, infelizmente não dá para me livrar. Dá para me livrar de coisas digitais, Apollo, por exemplo. Mas não dá para me livrar dos instrumentos velhos, os que estão ali comigo no dia a dia.
CNM: Você também já disse que o amor é uma linguagem para falar de outros temas. O que quis dizer com isso?
É uma das formas mais bonitas de arte. Não à toa, as músicas são geralmente de amor. É a forma como o ser humano se expressa mais verdadeiramente. Não é só um sentimento para a gente trabalhar com arte, também é uma linguagem. E a gente a utiliza com a verdade que temos ou simplesmente fantasiamos. Tem várias formas de amor: eu coloco minha mãe no disco, minha companheira, meus animais, meus amigos, o amor que eu tenho pelas coisas. Falo de amor de uma forma completamente vasta no disco, porque acho que isso o enriquece. É uma das linguagens mais belas da arte.
O disco não é só sobre amor, é sobre isso tudo que a gente conversou. Por isso gosto de escrever os meus discos, eles falam de amor mesmo que não sejam românticos. Estava procurando uma música romântica no disco, e romântica só tem “Vida de Casal”, porque as outras falam de amor sem ser necessariamente romântico.
Mas a maioria esmagadora das músicas são sobre amor, principalmente as que viralizam. Infelizmente, não consigo fazer música para viralizar. Se você pegar o sertanejo, é todo sobre relação, traição, o cara apaixonado que precisa conquistar a pessoa… O amor move, muda o imaginário, gruda na nossa cabeça. Estamos o tempo todo pensando em amor. Não tem como se livrar. Eu gosto de não ficar batendo na mesma tecla. Existem várias formas de falar de amor. Lulu Santos, Caetano Veloso e Gilberto Gil são muito bons nisso. É uma forma de falar sobre o que você quer e de ganhar a atenção do espectador que não quer, necessariamente, ouvir sobre aquele tema. É uma forma de amarrar seu discurso com o mundo, deixar ele mais sintonizável.
CNM: Você tem alguma música preferida desse disco?
“Shashin-Ka”, “Eu Nasci Pra Você” e “Desencontros, Despedidas” — essas três, eu acho. Mas, com o tempo, a gente vai sentindo mais raiva do que fizemos. Na verdade, eu já enjoei de tudo, não escuto essas músicas. Já escutei fazendo e mixando… Você passa três horas ouvindo, quando termina a música toda, você fica: “Meu Deus, odeio isso”. É difícil.
CNM: E como vai ser seu show na Casa?
Essa parte está surpreendente. Parece até propaganda para convencer as pessoas, mas eu estou falando de coração. Fiz o primeiro ensaio com a banda completa. Tem muita gente no palco — eu gosto de big band, mas é muito difícil de fazer acontecer coisas assim. São meus amigos que estão me ajudando, são sete caras no palco, contando comigo, além da participação de Silvia.
O primeiro ensaio já foi muito, muito legal. A gente tocou ontem no Metrópolis, da TV Cultura, um programa de TV que sabemos que é o terror do músico, é sempre difícil. E ficou bom! A galera mandou ver. A galera da técnica deles também super se envolveu. O som ao vivo está muito massa. A forma como está soando até me deixou um pouco surpreso. Dá vontade de voltar no tempo e gravar ao vivo com a banda toda. Foi muita coisa para fazer sozinho. Planejo ver se a gente não faz algo ao vivo gravado também, porque a vibe da banda está bem legal. Vai ser massa!