Como um dos artistas mais consagrados do rap nacional, Coruja BC1 tem mais de dez anos de carreira, três álbuns lançados e alguns prêmios na bagagem. Nascido em Osasco, e tendo passado muitos anos de sua vida em Bauru, o menino chamado Gustavo Vinícius constrói sua estrada no rap através de rimas que expressam seus pensamentos, vivências e relacionamentos de uma forma autêntica e corajosa. Como inspiração para muitos, o artista traz consigo representações de ancestralidade e empoderamento negro.
Em setembro, o rapper passou pelo palco da Casa Natura Musical e trouxe o seu EP mais recente, o “Versão Brasileira, Vol.1”, com a produção do DJ MaxNosBeatz. E avisa o Herbert Fischer que com o Coruja o papo é reto. São nove faixas originais, com participações brabas, como Mc Luanna, Febem e Rincon Sapiência. Como seu primeiro projeto com a gravadora Kondzilla, ele apresenta a sua nova fase com a mistura do rap com batuques e o grime – estilo musical característico pela fusão do funk, samba e reggae.
Neste último lançamento, Coruja BC1 traz a pluralidade como essência e um som que ao mesmo tempo que é rico em reflexões através das rimas do rap, também envolve ritmos urbanos e batidas mais fluídas. A intenção por trás do projeto foi construir uma narrativa que não apenas reflete a experiência do próprio artista, mas também faz alusão à trajetória de outros jovens das periferias. O resultado é uma produção que convida não só a contemplação e identificação, mas também a celebração, proporcionando momentos de dança e diversão para todes que se conectam com as vivências compartilhadas.
Em sua passagem pela Casa, batemos um papo sobre sua música, ancestralidade, rap e identidade. Tanto na produção musical quanto nas ideias trocadas nos bastidores, Coruja fala sobre a vivência negra e periférica em si, levando também a religiosidade como um norte de resgate e força. Na convicção de que a música é uma poderosa ponte para a espiritualidade, para ele sempre existiu uma conexão entre a sua expressão artística e sua fé.
“Não à toa, que todas religiões e crenças têm um momento em que se conectam através de um cântico ou um toque de instrumento e se conecta com aquilo que crê. Não tem como eu dissociar a minha música da minha crença porque foi a partir da minha crença que eu entendi o valor da minha música”; contou o rapper.
Como iniciado no culto iorubá, Isese Lagba, Coruja tem uma profunda ligação com o orixá Exu, responsável pela mensagem e pela comunicação na liturgia africana. Em suas composições, o artista traz inúmeras referências a essa tradição religiosa e monta a sua própria mensagem. Para ele, Exu se faz presente em cada rima do rap, e é a partir da sua crença nos orixás que ele entende o poder que tem quando está com o microfone na mão – a capacidade de resgatar tanto a sua ancestralidade como a de seus semelhantes.
Quando falamos de identidade, Coruja mostra que como um geminiano ele apresenta diversas facetas, o que também não é diferente em seu lado artístico. Em 2021, ele lançou o “Brasil Futurista”, com 13 faixas inéditas e participações de Margareth Menezes, Larissa Luz e Jonathan Ferr. Este álbum mostra um repertório musical variado e apresenta o Coruja além do rap, avançando em novos gêneros, como samba, R&B, soul e jazz.
Ao perguntarmos sobre sua identidade, Coruja aborda a temática do “não lugar” que pessoas pardas ou negras de pele clara passam diariamente e que se manifesta como um contínuo processo de busca e diálogo. Como parte de uma família interracial, o artista fala de um lugar comum para muitas pessoas e destaca que não quer provar nada para ninguém e apenas ser sincero sobre o local que ocupa.
“Não adianta eu querer falar no lugar de uma pessoa retinta; eu sou um cara fruto de um relacionamento interracial, sou favelado, de família parterna inteira negra, de família materna branca, ambos nordestinos e o que eu tento fazer, tanto na minha música como na minha vida, é encontrar como viver bem dentro da pele que eu habito.” aponta.
Mesmo passando por grandes mudanças, como a transição de gravadora e a recente paternidade de sua primeira filha – Zoë, Coruja tem firmado a sua própria evolução e resistência ao longo dos anos. Em um período de sua vida, a falta de identidade e a sensação deste “não lugar” o conduziram à uma situação de violência, sobretudo psicológica, resultando em um estado de profundo desconforto.
Com muita coragem, ele expõe esse momento difícil para que possa acolher e inspirar outras pessoas que estão passando por situações semelhantes. Hoje, o rapper fala sobre a mensagem de “viver confortável na pele que nóis habita” e tem como apelo final que as pessoas não sintam vergonha de existir e que não tentem provar nada para ninguém. Por fim, ele complementa:
“O que eu desejo é que as pessoas sejam menos violentadas e menos cobradas, inclusive fazendo coisas que uma pessoa branca, rica ou de classe média alta, não seria cobrada”.
Assim terminou o nosso papo com o Coruja BC1: com reflexões importantes, trazendo sua experiência e pensamentos que inspiram e servem como referência para muitos, levando a mensagem de autoaceitação e autoamor.
Texto por Ana Paula Moreira Oliveira (Aníssima)