No começo do ano, a gente recebeu o Baile do Brime, show que contempla o EP ‘’BRIME!’’. Lançado em 2020 pelo produtor CESRV com os MC’s Febem e Fleezus, o trabalho chegou até as pessoas por diferentes caminhos, seja por quem já acompanhava o grime ou carreira solo deles, pela curiosidade atrelada à capa, por ser um dos destaques de lançamento daquele ano e, até mesmo, por indicação de alguém. Com uma musicalidade única, no período de estreia, “BRIME!” foi uma porta de entrada para quem não conhecia o gênero londrino grime.
Para saber mais sobre o ”BRIME!”, você pode assistir ao reels que preparamos com algumas curiosidades.
O grime é um gênero musical que ganhou sua forma em Londres, no início dos anos 2000. O gênero surge em um contexto de repressão e violência policial contra as populações das periferias de Londres, à carga cultural trazida pelos imigrantes vindos da Jamaica e Trinidad e Tobago após a 2ª Guerra Mundial – conhecidos como ‘’Geração Windrush’’. O gênero surge como um contraponto às tentativas de censura e repressão cultural da época.
Influências caribenhas do calypso, reggae, jazz, blues, gospel, entre outros, se juntaram com o dance music britânico, resultando em novos gêneros musicais como o jungle, drum and bass, dubstep e o próprio grime. A combinação de gêneros e suas experimentações sempre fizeram parte do DNA do grime e isso não foi diferente ao chegar ao Brasil, quando se encontrou, por exemplo, com o pagodão baiano de VANDAL e o funk paulista do BRIME!. Por conta do neologismo na palavra ‘’brime’’ (de ‘’GR’’ para o ‘’BR’’) , esse termo também ganhou força para se referir ao ”grime com influências brasileiras”.
Para CESRV, Febem e Fleezus, copiar as referências internacionais e emular no Brasil não é uma escolha, muito menos pensar nele como aditivo para a prosperidade. A autenticidade do grime reside em uma trajetória que não abre mão de sua identificação cultural e não se deixa engolir por armadilhas traiçoeiras do sucesso. O ‘’BRIME!’’ conseguiu construir diferentes identificações com es ouvintes, sem deixar de lado suas origens.
Por essas e por outras, o grime não se resume a um estilo musical, já que ele também é berço de identificações socioculturais. No documentário ”Say Nuttin”, Febem e Fleezus descrevem as semelhanças das quebradas de Londres com as de São Paulo, respeitando as particularidades de cada uma, eles percebem que quem reside nesses espaços está mais próximo do que se imagina. Entre o intercâmbio de ideias e paixões, o futebol é uma dessas conexões. Em entrevista para a Casa, eles explicam que as referências e identificações ligadas ao timão vão muito além do futebol para o público. A gente também trocou uma ideia sobre suas memórias ligadas ao futebol com a música e porque existem duas capas do ‘’BRIME!’’.
Casa Natura Musical: Fui com um grupo de amigos para assistir pela primeira vez ao Baile do Brime. Decidi que iria com a camiseta do Corinthians e quando encontrei meus amigos, um deles estava com a camiseta do Palmeiras. Naquela hora, zoei dizendo que não ia dar muito certo. Porém, quando chegamos na casa de show, notei que o público estava vestindo camisetas de times que iam além do timão como o do Palmeiras, São Paulo, Flamengo, etc. Fiquei refletindo sobre como o ‘’BRIME!’’, apesar de ter várias simbologias ligadas ao Corinthians, impactou para além do time, alcançando uma simbologia mais ligada ao futebol. Como foi para vocês essa percepção e recepção do público, que além de se identificar com as músicas, se identificou com o futebol para além dos símbolos ligados ao timão?
Fleezus: É uma conexão porque, querendo ou não, o nosso som ele externa além do futebol, ele externa a quebrada também, e dentro da quebrada, a gente tem a cultura muito do futebol que é muito nossa. Dentro da quebra a gente conhece o crime e conhece o futebol, tá ligado? Então, também tem essa identificação. Quando o BRIME! passa essa ideia, e que tipo, você teve essa reflexão, é um ponto pertinente porque, a gente tem uma capa que é o Chicão dando um carrinho no Hazard, e o Chicão era jogador do Corinthians, só que a gente externa na nossa caneta o bagulho que vai além do futebol também, na ideia, na mensagem que a gente quer passar. E isso é para todo mundo, tá ligado? Independente do time, independente da sua escolha. Até de religião. É um bagulho que é para aquela pessoa que veio de quebrada. Até para as pessoas que não vieram da quebrada e que também se identifica com o bagulho. A gente percebe que foi muito mais além, furou muito essa bolha. Por isso os caras que torcem para o Palmeiras ouvem. Os caras mandavam direct às vezes para a gente tipo: ”Pô, ouço o BRIME!, mas pô, torço pro Palmeiras e pá. É pecado”. Tipo, tirando uma onda. Não tem esse bagulho, tá ligado? Também tem muito sobre o Corinthians porque, nós três somos fanáticos, é um bagulho absurdo. Tem o nosso fanatismo dentro do BRIME!? Tem. Mas também tem muito mais mensagem, mais coisas para falar, muito mais assuntos para abordar do que o futebol.
CESRV: A simbologia é muito forte que tem no BRIME!, então acho que cada um coloca para o seu time, né? Subconscientemente, o cara ouve aquilo e coloca para a realidade dele, eu acho que esse é o grande trunfo do negócio.
Febem: É, eu acho que a representatividade da capa, mais do que o Chicão tá dando um carrinho no Hazard, que é um jogo clássico que todo corintiano ama. A simbologia ali representa como a gente chegou na Inglaterra, entendeu? Com raça. Isso que identifica, tá ligado? Independente do seu time, significa raça.
Fleezus: Tanto que a galera faz várias capas alternativas aí mano, do São Paulo, do Palmeiras, colocando BRIME! e a gente acha mó barato. Porque, acho que é sobre isso: não é pelo time, é pela forma como a gente chega, como a gente ocupa os espaços, tá ligado? Os lugares onde a gente alcança.
Casa Natura Musical: No documentário ‘’Say Nuttin’’, que durante a viagem, dá origem a algumas das faixas do EP, vocês comentam que um dos pontos que fez vocês se identificarem com o grime para além da música, foram os paralelos da vivência na quebrada e a paixão pelo futebol. Antes de vocês embarcarem no rolê do grime, quais lembranças vocês têm da ligação da música com o futebol?
Fleezus: A minha primeira lembrança da música com o futebol é com o samba. O samba e o futebol são patrimônios do nosso Brasil, né? Essa é a minha lembrança de moleque, de você ver em propaganda: ”Ah, vai passar o jogo tal de fulano tal, lá naquela propaganda’’, e tá tocando o que? Samba. Numa entrevista, a pessoa pergunta para o expoente do samba: ‘’Ah pra que time você torce?”, e o cara responde: ”Ah, eu torço pra tal time”. Então tem muito essa ligação do samba com o futebol pra mim, tá ligado?
CESRV: Pra mim, a coisa que eu lembro muito foi Xis e Rappin Hood nos anos 90, misturando rap e futebol pela primeira vez, de um jeito tão forte. E o Racionais MC’s foi isso também mas, eu acho que do jeito que o Xis e o Rappin Hood fizeram, a gente se identificou muito com essa parada, eu pelo menos na época.
Febem: A minha inspiração de linkar o meu time do coração com as minhas rimas, além de ser, tá ligado? A inspiração total acho que veio do Racionais MC’s, por eles sempre estarem linkando o time deles, o futebol e tal. Mas, a primeira vez que eu vi futebol e música, por incrível que pareça, foi o videoclipe do Skank na MTV.
CESRV: (Risos) Aí cê foi foda.
Fleezus: (Risos) É… Porra.
Febem: É a primeira vez…
Fleezus: É, foi bizarro, mano. Aquele bagulho é bizarro.
Febem: Aquele videoclipe lá, tá ligado? Era o fenômeno. Papo reto.
Fleezus: No Mineirão, mano. Dentro do Mineirão.
Febem: É porque, era meio um clássico…
Fleezus: Uns com a camiseta do Atlético Mineiro, outros com a camisa do Cruzeiro no videoclipe.
Febem: Pode ser um estilo de música que a gente hoje em dia não seja muito fã, mas tem que respeitar porque foi uma parada muito chocante.
CESRV: Música popular brasileira, né, exato.
Febem: Pro Brasil, tá ligado? Eu era criança e eu vendo o bagulho, eu ficava de olho brilhando, de cara com o bagulho.
Fleezus: Porque na memória, tem muito do samba, tem muito Zeca Pagodinho no comercial de 2002, da Brahma. Aí, tinha a tartaruguinha pedalando, fazendo embaixadinha, pedalando (risos), tá ligado? Tenho muitos na minha memória.
Febem: Sem contar os comerciais da Nike.
CESRV: Aquela campanha do ”Joga Bonito”.
Fleezus: Samba tocando no fundo, os caras petecando e tal.
Casa Natura Musical: Vocês acompanham algum time de várzea da quebrada de vocês? Se sim, quais times?
Fleezus: Sim, acompanho até os dias de hoje.
Febem: Até hoje.
Fleezus: Eu acompanho o Família Show Bar, lá da minha quebrada.
Febem: Lá no meu bairro tem o Flamenguinho da Vila Maria mas, tem outros times. As vezes eu vou no jogo do Marcone, que também é perto de casa, que tem o baile funk, tá ligado? Aí tem muitos outros times.
Casa Natura Musical: Eu poderia ficar descrevendo sobre o quão incrível é o nome do EP e a capa. Mas gostaria de saber o que veio primeiro: o nome ou a imagem?
Fleezus: O que veio primeiro? Aí fodeu, eu não lembro. Foi nós três em um grupo de WhatsApp (risos).
CESRV: Foi o nome que veio primeiro. O Febem olhou e falou: ”Isso não é grime, isso é brime”. Aí, a gente começou. Ele mandou a foto do Chicão e falou: ‘’A capa é essa’’. A gente riu, eu peguei e escrevi ”Brime”. A gente olhou e falou: ”É isso aí”.
Febem: É, mas tem uma referência aquela escrita.
CESRV: É, a escrita tem. O primeiro disco de dubstep que eu ouvi que me levou para o grime em 2005, é o disco do Skream, que tá escrito em amarelo ”Skream” e exclamação.
Fleezus: Uma foto e no fundo escrito ”Skream!” em amarelo.
CESRV: Na época, aquilo foi muito forte para mim visualmente. Eu olhei e falei: ”Mano, é isso que falta”. Boom. Ele mandou a foto, fala aí, você (Febem) mandou exatamente aquela foto. Aí, eu só escrevi o bagulho em cima em amarelo, igualzinho, “chupinhei” do Skream. Aí, nóis falou: ”É isso”.
CESRV: A gente misturou a ideia de Londres com a ideia do Brasil, desde o começo.
Fleezus: Desde a capa até as canetas, até os beats, videoclipe, tudo.
Casa Natura Musical: A capa do vinil é diferente da versão digital. Por que vocês escolheram outra imagem para a versão em vinil?
CESRV: No dia que a gente foi filmar o (videoclipe) ‘’Raddim’’, a gente foi na casa do nosso amigo, o Matheuzinho.
Fleezus: Lá da minha área.
CESRV: A gente tirou aquela foto no dia. Aquela foto estava guardada e a gente postou no Instagram e quando a gente foi fazer o vinil, o Elijah falou: ”Tem como a gente pegar alguma coisa que seja mais mundial?’’, porque, querendo ou não, aquela capa faz muito sentido pra gente que tá no Brasil e etc. Mas um cara no Japão, não tem a mínima ideia do que aquilo quer dizer, entendeu?
Febem: No Japão tem, pô. A final foi lá.
CESRV: Sim, mas tô falando por isso mesmo: um cara não sabe o contexto daquilo. Então ele (Elijah) falou: ”Tem alguma coisa, que se estivesse numa loja de vinil, a pessoa entenderia mais?”.
Febem: Iria chamar atenção para você ouvir a parada.
CESRV: Exatamente. E aí, ele pegou a foto aí eu falei: ”Calma aí, a gente vai colocar blur na cara de todo mundo’’.
Casa Natura Musical: Para finalizar, quais lançamentos do grime brasileiro vocês gostariam de indicar para o pessoal?
Febem: Eu acho que é melhor a galera acessar o Brasil Grime Show e assistir.
CESRV: Eles são os chefes do grime no Brasil.
Fleezus: Tão puxando, mano.
CESRV: Nóis é do brime, eles são do grime.
Fleezus: É isso.
Texto por Beatriz Roveri para a Casa Natura Musical