
Créditos da capa
Direção: Herbert “Jomboh” Cardoso
Codireção: Diolinha
Fotografia: Wander Scheeffër
Fotografia Stil: Isa Costa
Making Off: Vitor Dias
Direção de arte: Amanda Machado
Styling: Marina Fernandes
Assistência de Styling: Bru Loren
Direção de beleza: Sarah Maria
Cabelo: THEYOUNGRASTA e Nolram
Maquiagem: Carol Rainha
Pós-produção: Wander Scheeffër, Herbert “Jomboh” Cardoso e Bernardo “Piordesigner” Lobo
Identidade visual: Bernardo “Piordesigner” Lobo
Assistência de identidade visual: Bruno Queiroz e Amanda Machado
Produção executiva: Isaac Tomé, Raphael Sancho e Zulu Gregorio
Produção visual: SERVICO—GRAFICO e Espaço Fresco
Dois dias antes de lançar Melodia&Barulho, Maui conversou com a Casa Natura Musical sobre seu primeiro disco. “Eu tô aprendendo a usar o Zoom”, disse o rapper ao entrar na chamada de vídeo, diretamente do estúdio CasaӠӠ. O espaço em Botafogo, no Rio de Janeiro, recebeu a festa de audição do álbum e está abrigando ensaios de Maui, que se apresenta por aqui no dia 26.09.
Ao lado de CL FEZ O BEAT e Pi, seus parceiros musicais, Maui começou o bate-papo falando sobre as ideias conceituais por trás da capa e do nome do disco. A arte de Melodia&Barulho recria uma obra de Arte Deft. Já o título do álbum lembra um verso de Charlie Brown Jr. e cristaliza as antíteses que permeiam a vida de Maui e sua comunidade: “É coisa ruim, coisa boa, no mesmo lugar, o tempo inteiro. Melodia e barulho”.
Entre as várias personalidades que figuram na fotografia da capa do disco, está Sílvia de Mendonça, importante ativista do movimento negro no Rio de Janeiro e no Brasil, carinhosamente apelidada por Maui como Tia Silvinha. Ela frequentava batalhas de rima organizadas pelo músico em Duque de Caxias e logo o levou para o coração de sua família. “No documentário dos Racionais, quando passa aquela marcha de 1988, sobre os 100 anos de abolição, ela tá na linha de frente. Ela aparece no documentário!”, contou Maui, admirado.
Sílvia de Mendonça inaugura Melodia&Barulho recitando “Tem Gente Com Fome”, poema de Solano Trindade. Ao longo do álbum, outras várias vozes e mãos reforçam as ambiguidades cultivadas por Maui, inclusive Afrodite Bxd, Cristal e Scof Savage, artistas que subirão ao palco da Casa Natura Musical para acompanhar o rapper. Na mesma noite, 2ZDinizz, outro colaborador no álbum de Maui, apresenta-se em mais uma edição do projeto Frequências.
O músico explicou que a diversidade de sonoridades de Melodia&Barulho é reflexo de suas experiências sociais: “Na sexta, eu vou na SPEEDTEST, que é a festa do Chediak, mais acelerada e eletrônica. No sábado, paro para curtir um Baile Charme de Madureira. Domingo, pagode. De noite, baile funk”. O trânsito entre diferentes gêneros que Maui exemplifica com seu próprio final de semana reflete em faixas como “Bom&Novo”, com jeito de funk, “Posse”, com batidas eletrônicas, e “Não É Tarde”, que leva o samba para uma nova direção.
De Rubi (2023) para cá, Maui afirmou que tudo — e nada — mudou: “Tem sido difícil viver essa vida dupla de artista e de trabalho adulto”. Ele se divide entre a carreira musical e o trabalho como educador. “Eu espero que, depois do disco, mude a vida corriqueira, o cotidiano, financeiramente. Eu quero ter mais tempo, eu quero ter mais paz. Eu quero poder pagar um plano de saúde, tá ligado?”, refletiu.
Na Casa Natura Musical, Maui adiantou que seu show deve oferecer lugar para todas as suas fases, incluindo a que inicia com Melodia&Barulho: “Conseguimos equilibrar bem gregos e troianos”.
Ficou curiose para saber mais sobre o primeiro álbum de estúdio de Maui e seu show aqui na Casa? Confira nossa entrevista na íntegra:
Casa Natura Musical: Me conta mais sobre as ideias por trás do título e da capa do álbum Melodia&Barulho.
Maui: Bolado, cara! A capa é uma fotografia, uma recriação de um quadro do Arte Deft, que é um amigo nosso há muitos anos. A Leigo Records é um coletivo, para além de um selo musical. Então a gente tem artistas, designers, fotógrafos, tem toda “raça” de gente que não presta nesse grupo [risos].
Quando eu era bem novinho, comecei a colar em rolê de música alternativa. Ele era DJ ainda. Então a gente já tinha essa relação. Quando comecei a construir o disco, entendi que ele [o disco] era muito contemporâneo. Até demais, sabe? Num nível que talvez algumas pessoas não percebessem o quão contemporâneo é. Tô falando de uma parada que é o agora, do mês passado, tá ligado? É o agora, a nossa realidade, enquanto a academia ainda não produziu conteúdo sobre a experiência de ser um jovem negro de vinte e poucos anos, aqui, nesse século, nesse ano. Então falei: “Cara, eu preciso de coisas contemporâneas”.
E tava rolando a exposição FUNK no Museu de Arte do Rio. Eu tinha vários amigos expondo lá: o Edu Ribeiro, o Arte Deft, a Luna, uma galera f*da. Vi esse quadro lá — que eu já conhecia, tem na casa do meu papai KBrum — e falei: “Vou tentar associar esse disco a esse movimento de arte contemporânea da galera de favela, o crialismo, porque isso também é muito contemporâneo”. Então é um jeito das pessoas entenderem: “Ah, a música deles é assim, porque tá tentando reproduzir as mesmas sensações que esses quadros passam”, sabe? É mistura de referência, colagem, sacou? Vivendo em 2025, né, mano? São muitos estímulos. É um disco de muitos estímulos, e eu queria uma arte de muitos estímulos, tá ligado?
CL FEZ O BEAT: Isso que tu falou é um bagulho engraçado. Eu parei para ouvir uma música que gravamos em 2021 e acabou virando um pedaço de “Melodia&Barulho”. Nós estamos vivendo o agora há cinco anos, tá ligado?
Maui: Sim! E sobre o nome, Melodia&Barulho nasceu como um slogan. Aqui na minha área, eu sou meio que um catalisador de coisas. Eu movimento as pessoas, acho que isso é a minha função na Terra.
Eu tinha um amigo designer e falei assim: “Mano, você vai ser o meu designer de marca”. Eu nem sabia o que era isso. E aí, por causa disso, o “moleque” estudou, tá ligado? Nesse processo de estudo dele, a gente descobriu o que era branding e foi construir um branding, né? A gente queria fazer isso. E dentro desse processo, falei essa frase. Numa das entrevistas, eu falei: “Não sei o quê, tipo misturando um pouco de melodia e barulho”. Falei solto assim. E ele falou: “Cara, isso é muito forte, isso tem que ser o slogan da marca”. Quando ele ligou isso na minha mente, é como se realmente uma sala, uma porta nova tivesse sido aberta, e comecei a guardar ali dentro tudo o que achava que tinha a ver com Melodia&Barulho: um vídeo no TikTok, uma foto, um áudio, tudo. Comecei a jogar dentro dessa sala. Depois que ela tava bem bagunçada, entrei lá para entender. Aí construí o conceito de Melodia&Barulho em volta dessa frase, né?
E sou muito fã do Charlie Brown Jr., é uma coisa que tá muito presente no meu trabalho, e tem uma música deles que é: “Eu canto minha vida com orgulho, com melodia, alegria e barulho”. Acho que tirei de lá esse bagulho, tá ligado? Do meu subconsciente. Então é isso.
Melodia e barulho é o que define a nossa vida, nosso estilo de vida. A storyline é: tudo de bom que aconteceu com a gente tinha um aspecto muito ruim e tudo de ruim que aconteceu com a gente também tinha um aspecto muito bom, de forma que a gente não consegue separar as experiências. Não é melodia ou barulho. E nem um meio a meio. Dois lados da mesma moeda. É uma coisa nova que condensa alegrias e tristezas, tá ligado? É a mesma moeda com duas impressões. Foi muito difícil ser um moleque que mora longe. Mas se eu não fosse um menor que mora longe, não teria as duas horas de ônibus para ficar ouvindo discos igual um maluco e agora fazer música melhor do que vários desses playboys aí. É coisa ruim, coisa boa, no mesmo lugar, o tempo inteiro. Melodia e barulho.
Você começa o disco com Sílvia de Mendonça, que recita um poema. Qual a sua relação com ela e como surgiu a ideia da faixa “Tem Gente Com Fome”?
Cara, é muito legal você trazer essa atenção para a tia Silvinha. Sílvia de Mendonça, para mim, é minha tia Silvinha. Hoje, a minha relação com ela é de família, ela é minha tia Silvinha. Frequento a casa dela, minha filha vai para lá, enfim… A gente é família. Pelo menos um domingo do mês almoçamos juntos — eu, ela e os primos e sobrinhos de sangue dela. Eu me infiltrei.
Além disso, a tia Silvinha é uma personagem muito importante na cultura do Brasil e na luta antirracista do país, principalmente em Duque de Caxias. Ela fundou a primeira TV de rua do Brasil, que era a TV Olho, lá em Duque de Caxias, ainda com 18 anos. Nessa época, também, ela foi uma das primeiras integrantes do PT aqui no Rio de Janeiro — construiu candidaturas importantes do PT aqui. É uma das membras antigas do Movimento Negro Unificado. No documentário dos Racionais, quando passa aquela marcha de 1988, sobre os 100 anos de abolição, ela tá na linha de frente. Ela aparece no documentário! Ela foi de uma companhia de teatro de mulheres negras que viajou até a China. Isso eu tô falando de anos 1980, 1990, tá ligado? E a gente sabe disso agora, porque ela se apresenta para a gente como uma tia, em um lugar de acolhimento, um lugar de um abraço, de um estímulo.
Ela começou a ir às batalhas que a gente fazia — eu organizava a batalha de poesia de Duque de Caxias, o slam — e ficou meses, quase um ano, indo lá, estando com a gente, sem, de nenhuma forma, se apresentar. E aí, quando a gente ficou íntimo dela, que a gente conheceu essa potência toda. Então, ela também é melodia e barulho, porque, ao mesmo tempo que ela é uma referência política, ela é uma referência pessoal para todos nós que estamos envolvidos.
O texto é de Solano Trindade, que é outro ativista muito importante que morou em Duque de Caxias. É um poema dele conhecido, chamado “Tem Gente Com Fome”. Fez muito sucesso na versão da filha dele. A gente já tava na parte visual do disco, e a diretora de arte, a Veneno Tropical, falou: “Cara, olha esse bagulho que vi essa semana”. Me mandou o vídeo da filha do Solano Trindade recitando a poesia. E ele fala do trem, que é um elemento narrativo do disco, fala das estações que a gente passou a vida inteira, Caxias, Olaria, tá ligado? Aí eu falei: “Cara, tem tudo a ver”. Porque, ao mesmo tempo que é um disco sério, é um disco de festa. Melodia e barulho. Acho que ter essa poesia começando faz a galera sempre tentar analisar a música por dois lados. Não importa o quão feliz seja a música, a pessoa vai falando assim: “Mano, mas começou com aquela poesia esquisitona lá. Alguma coisa tem aí. Não pode ser só alegria”. Eu queria deixar essa pulga atrás da orelha, tá ligado?
Acho que funcionou! Apesar dessa ambiguidade ao longo do disco, você diria que ele tem um tema?
Cara, tem um tema que amarra tudo. Eu tive essa preocupação de construir uma história, mas, ao mesmo tempo, queria muito que as músicas funcionassem individualmente, sabe? Não queria nem sacrificar uma coisa, nem sacrificar outra. A gente tinha ótimas músicas que funcionavam muito bem individualmente, mas no contexto não ornavam tanto. Então, essa escolha, a ambiguidade como caminho principal, traz esse clima, né? Acredito que quem quiser entender um conceito, uma história, vai conseguir, porque a gente deixou caminho e pistas para isso. E quem também só quiser ouvir um disco de churrasco, para deixar uma coisa leve passando de fundo, também vai conseguir.
A interpretação do disco que eu tentei passar é de um processo de transformação da vida adulta. Na minha mente, o disco tem essas três partes: euforia, introspecção e calmaria. Começa eufórico — ele tá na rua, ele comemora, e é festa, e telefone, lovebombing, muitos estímulos, esse lance da gente virar jovem adulto e sair da casa dos pais, fazer as primeiras coisas, uma sensação de “Cheguei, fiz 18, 20 anos”. E aí você descobre que é só o começo.
O meio do disco é o momento de olhar para si, olhar para dentro, voltar para casa, que nem na faixa “Há Volta”, que fala disso. Acredito que depois que você equilibra esses dois lados, a melodia e o barulho, você tem espaço pra viver coisas mais calmas.
O final do disco tenta trazer essas reflexões, essas coisas mais refrescantes. Tentei retratar meu processo de desenvolvimento de jovem adulto, como um cria de favela do Rio de Janeiro. Mas também quero que outras interpretações sejam possíveis. Quero ouvir outras histórias. Quero esse movimento também.

Me chamou a atenção que você tenha dito “Ele tá na rua, ele comemora”… Quanto de você tem nesse disco e quanto é apenas um eu lírico?
Nesse disco, o que tem de mais parecido comigo — CPF, indivíduo — é o formato. Acho que tentei me manifestar pessoalmente no formato, na escolha de texturas… A minha criança interior ficou muito feliz com esse disco. Quando eu era moleque e ia ouvir a música do Jay-Z, tinha uma parte com voz grossa, e eu pensava: “Um dia, vou botar voz grossa na minha música”. Fui lá e botei uma voz grossa. Fui mais eu nas escolhas de formato, mas queria criar um personagem, obviamente, baseado nas minhas experiências, no meu lugar.
Acho que é minha pessoa política, pegou a visão? Esse disco não sou eu, é minha pessoa política. Ele é um jovem negro de periferia que tem alguns acessos que os pais não tiveram, mas percebe que ainda é muito pouco, sacou? Tipo, o que a gente planejou como vitória a vida inteira ainda é muito pouco, a gente ainda tem muito para fazer. Eu queria que esse disco fosse esse papo, sabe? Mano, tá geral cansado, né? A gente é novão, mas já tá geral cansado, né? A gente não fez nem 30 anos ainda e a gente tá cansado, exausto de trabalhar, exausto de tudo. E a gente não conversa sobre isso. Então, é um personagem político, um “eu” político. Ele fala das minhas experiências, mas ele não fica restrito a mim. Não é um disco pessoal. A gente chama o personagem de O Trem: “Ele é doidinho, tudo é O Trem, O Trem sobe, O Trem desce”…

Como escolheu quem participaria do álbum e como os artistas colaboradores receberam o convite?
Deixei o lance das participações por último. Queria trazer pessoas que fizessem sentido para a narrativa e para tudo que eu queria trazer, sabe? Isso foi uma dor, inclusive — essa é minha primeira entrevista, então, acho que é a que eu mais vou falar. A gente tinha nomes grandes que podíamos acessar para esse disco, mas bati o pé e falei: “Cara, não quero que meu disco de estreia seja isso, uma cartela de publicidade. Se realmente tiver espaço para essa pessoa no disco, vai ter — a gente não vai precisar forçar isso”. Então eu deixei os feats por último. Deu um trabalhinho. Foi no último mês. Botei a galera para gravar, tipo: “Grava aí, pelo amor de Deus, entrega essa voz”. Mas eles estavam bem direcionados.
Tem algumas exceções. Por exemplo, a música com a Tshawtty existia desde 2023 ou 2024. Era uma música dela que eu pedi para trazer para o disco. Mas, no geral, já mandei bem direcionado, dizendo o que eu queria, como queria, o tom do clima do verso, da faixa… E acho que eu gravei com todo mundo. Ninguém mandou voz. Consegui estar em estúdio com todo mundo que gravou. Só o ogoin mandou voz. É uma música dele dentro do meu disco também. Enfim, estive com a galera, então consegui dar essas direções e tudo mais, mas óbvio que rolaram contribuições. Acho que o verso da Cristal é absurdo, demonstra a qualidade de rapper que ela é.
CL FEZ O BEAT: Já é a segunda vez que ela faz isso. Falo que é a segunda vez que ela faz isso porque numa viagem que a gente fez para Porto Alegre, apresentamos um gênero novo para ela. Em cinco minutos, ela jantou o instrumental.
Maui: Eu cheguei me sentindo. Colocamos o beat do Pula Pula, e ela me amassou na música. Cristal é a grande letrista do disco, contribuiu para que fosse um disco de letras muito bem elaboradas. O Scof é o príncipe do dancehall, não tem jeito. O KBrum foi uma referência muito grande, assim como o Jamaicaxias. Então queria me entrosar mais com esse mundo. Apesar de [o disco] ter bastante coisa de dancehall, eu não sou artista de dancehall. Queria que o álbum representasse o novo, o verdadeiro novo, o novo do novo. Tentei trazer artistas novos, tá ligado?
Na lacuna perfeita, o Scof surgiu para mim e fez o arroz com feijão dele, bem feito. O YOÙN é da Baixada Fluminense também, foram dois dos primeiros ídolos que a gente teve no hip hop moderno, saindo da Baixada. Eu via eles tocando no trem. Meu guitarrista também tocava no trem nessa época. Trouxe eles cantando uma letra minha, que era muito pessoal, mas quando eu mostrei, os caras falaram: “Mano, entendi exatamente o que você tá falando”.
Leigo Records foi também uma parada importante, porque a gente é um coletivo que não tem música junto. E eu bati esse martelo e falei: “Mano, no meu disco vai ter uma música de geral”. Então, tem ali dois dos principais produtores, que é o Enigma e o ANTCONSTANTINO, e os MCs principais, que sou eu, o MASKOTTE, o KBrum e Bruno Kroz.
Tem uma dor que eu tinha: é que a gente faz coisas ao vivo que o público que tá online nunca tem acesso, esse rolê dos sets, essa energia dos sets. Então a gente tentou fazer a música com essa energia de sets e grime, que é um negócio que a gente faz toda semana.
A Afrodite [Bxd], minha irmã, achou que não ia estar no disco. Eu deixei ela achar até o final. Tá maluco? Não tem como, sou apaixonado por ela, acho que o que ela faz, ninguém faz. 2ZDinizz também é um amigão, um irmão, que a vida me apresentou, e eu queria tentar trazer ele, mostrar para o público esse lado dele mais versátil. Porque a galera tá conhecendo ele pelo disco de boom bap, mas ele é um artista com muitos anos de caminhada.
São pessoas que eu amo. Não queria olhar para o meu disco e ver desamor. Queria olhar para ele e ver muito amor. Eu amo todo mundo que tá ali.

Assim como você descreve 2ZDinizz, você também é um artista muito versátil. Seu álbum tem uma miscelânea de gêneros, né?
Não sei o quanto isso é comum, mas para mim, é muito extraordinário. Eu e meu grupo de amigos nos sentimos muito ímpares pela forma que a gente consome e produz cultura.
Eu era um moleque novo, gostava de metalcore, e tinha esse doidão, o ANTCONSTANTINO, que também ficava lá nos rolês de rock. A gente foi ficando mais velho, o rock foi ficando cada vez mais eletrônico, dubstep, trap, e eu fui acompanhando essa transformação. Num determinado momento, a gente tava numa festa tocando [beat] tambor xereca com a Amy Lee cantando “Bring Me To Life” em cima. Eu não sei o que as outras pessoas estavam ouvindo com 15 anos, mas eu tava ouvindo isso, indo na Waves, na Wobble, e, ao mesmo tempo, tava curtindo o Baile da Argélia, no pagode de Santa Lúcia, onde a porrada estancava toda vez. Então, é muito natural para mim. Esse disco é um pouco dessa minha dor: não é possível que só eu fui atravessado por tantos estímulos. A gente tá no Brasil, pô! Eu sei que todo mundo escuta um milhão de coisas. Por que quando eu vou fazer uma escolha artística, eu vou matar 90% de mim e deixar só 10? Não metendo de casca, de sinistro, mas é muito natural.
Na sexta, eu vou na SPEEDTEST, que é a festa do Chediak, mais acelerada e eletrônica. No sábado, paro para curtir um Baile Charme de Madureira. Domingo, pagode. De noite, baile funk. Eu fiz as matemáticas de que o “vuqui vuqui” e o “tuts tats tuts tats” têm a ver. Deu para eu fazer matemática de que o pandeiro e o drumbeat têm a ver. Isso não é um movimento do Maui. Tem uma juventude no Brasil todo — no Norte, no Nordeste, no Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste — produzindo música alternativa, produzindo festa alternativa, sem a barreira do gênero, pensando em produzir arte e cultura mesmo.
Nesse momento, eu deixo um salve para a Exportação, SPEEDTEST, Wobble, Melodyne, Jamaicaxias, Mamba Negra, Baile da Akai, Vandal Hostil, todas essas festas, todo mundo que tá tentando criar um ponto em comum novo. Não sei se vai dar certo, mas é isso. Acho que o que vocês escutam no disco é o que a gente escuta todos os dias da nossa vida, esse cruzar.

Melodia&Barulho tem mais faixas que o usual: são 16. Como foi o processo para escolher o que entraria e o que ficaria de fora?
Eu tinha algumas demos, algumas coisas escritas. A gente tinha oito demos, e eu tinha colocado um objetivo na minha mente de fazer 30 músicas para o disco, selecionar no máximo 15 — o ideal seria dez. Isso foi lá no começo, jovenzinho, achando que as coisas seguiriam o caminho reto.
CL QUE FEZ O BEAT: Mal sabia.
Maui: Mal sabia, Jairo… Eu comecei a escrever tentando dar liga nas histórias. Escrevi muito entre músicas, sabia exatamente aonde queria chegar. Não lembro a conexão, mas eu pensava: “A faixa 7 tem que ser uma música de amor, mas um amor meio tóxico”. Aí fazia três músicas de amor tóxico — uma acelerada, uma devagar e uma mais refrescante. Eu testava ela. Bastante coisa ficou de fora, tem bastante coisa que é teste, que foi se transformando. E eu dei uma espremidinha. “Não É Tarde” não ia entrar no disco até o dia de entregar as masters.
CL QUE FEZ O BEAT: No dia de entregar as masters, a gente teve que abrir duas chamadas no Discord: uma para mim, Taleko e o NMS, acompanhando as masters das faixas que já estavam mixadas, e outra com o ANTCONSTANTINO e o Chediak, desenrolando o instrumental dela.
Maui: Na hora, ao vivão! Sabe por que eu queria essa música? Porque quando acaba Shrek, eles cantam aquela música, “I’m A Believer”, e eu queria uma música que tivesse essa vibe no final do disco. É a música dos créditos.
Eu me preocupei mais com o tempo de duração do álbum do que a quantidade de faixas. É um disco de 16 músicas, mas é um disco de quarenta e cinco minutos. Justo, né? Equilibrado.
Para mim, é muito difícil montar setlist, tirar músicas, até para o show. Os contratantes sempre cortam meu show antes de acabar, mas não vai acontecer isso aí, fiquem tranquilos. Eu consegui fazer a seleção, mas é difícil para mim, tenho muito carinho com as músicas.
As músicas que não saíram, com certeza vão sair, definitivamente. Vou achar um jeito de enfiar elas em algum lugar. Não sei se vai ter um deluxe… A gente vai entender no futuro, mas elas vão sair. Tem a “Pedra do Sal”, que quero fazer com a Núbia, outra que a gente tá aguardando para fazer com o Thiaguinho, “Deixa Como Tudo Tá”, que é um remix da faixa dele… Tem coisa para trabalhar. Menina, eu gosto de fazer música.
Falando em setlist, pode contar um pouco mais de como vai ser seu show aqui na Casa e como escolheu o repertório?
Foi difícil, foi difícil. Mas a gente tenta sempre pensar qual é o objetivo de cada show. A gente monta todo show, não repetimos. Pode ser 99% igual, mas alguma coisa a gente vai mudar. “Onde é esse show? O que aconteceu nesse lugar recentemente?” Levamos essas coisas em consideração. E, nesse caso, esse show é a transição, é o último da última era que a gente teve, que foi a Baile do Amanhã, que era essa turnê baseada nos singles e nas participações.
A gente vai cantar essas coisas que deram certo, essas parcerias legais, essas músicas que a galera já conhece, mas vai apresentar algumas novidades do Melodia&Barulho. Vai ter uma semana que o disco vai ter saído, então a gente ainda não quer fazer o show do disco, até porque a gente vai “tomar garrafada” se a gente não cantar algumas coisas, papo reto.
Conseguimos equilibrar bem gregos e troianos. Teremos Afrodite, Scof, Cristal… A parte que representa o disco tá bem forte, mas a galera também vai poder curtir os clássicos: “Pega as Suas Coisas”, uma versão exclusiva de “Real”, que a gente só faz ao vivo…. Vai ser um show para quem gosta e acompanha Maui, a galera que se sente meu primo, que tá vibrando por estarmos num bom momento. Vai ser um show emocionante, porque vamos passar pela história toda.

E o que mudou de Rubi para cá?
Muita coisa mudou, muita coisa não mudou nada. Eu ainda moro na favela, em Caxias, sou cria de Parada Angélica, mas atualmente moro na Vila Urussaí, mesmo lugar que a Slipmami é cria. Ainda faço minhas correrias de trabalho, sou educador, tá ligado? Trabalho com educação há alguns anos, por causa de cultura, mas não sou formado em faculdade de nada. Tem a minha filha, que é minha prioridade, minha principal demanda. Isso não mudou, sabe? A minha essência, o meu cotidiano, a minha rotina ainda não mudou tanto.
Mas o meu trabalho mudou muito. A gente se profissionalizou demais, todo mundo estudou. Porque isso não é um sonho do Maui — isso é um sonho do Maui, do CL, da Diola, da Neves, de todo mundo. Então, eu vou trabalhar com meus amigos. A gente sempre alinha dois objetivos: o objetivo da pessoa com o meu trabalho e o meu objetivo com o trabalho dela. “Pô, mano, eu preciso de um designer para fazer minhas artes e eu ter um Instagram bonito.” E ele: “Beleza, eu preciso de um portfólio forte para mostrar que sou original”. Então a gente tem que casar a originalidade dele com o meu caminho, tá ligado? É um sonho coletivo. Por ser um sonho coletivo, a gente se profissionalizou.
Hoje em dia, a gente é uma equipe grande, setorizada, gerida, funcional, como uma empresa mesmo, mas basicamente como uma comuna. Não é uma relação econômica. Obviamente, quando tem dinheiro, tem dinheiro para todo mundo. Quando não tem para ninguém, não tem para ninguém. Mas a gente se respeita e respeita o trabalho do outro, acho que pelo motor mais lindo do mundo: acreditar que tá fazendo alguma coisa que faz sentido, que é útil.
Todo mundo pôde dar opinião sobre os processos do disco — e eu considerei. Mesmo quando negava, negava tipo assim: “Isso que você trouxe é legal, agrega nisso. Mas olha só, tenta entender o meu lado”. Porque no final, tá todo mundo sentindo que o projeto é seu. Tem alguns colaboradores da gente que são de São Paulo. A gente vai fazer uma audição aqui [no Rio de Janeiro], só que eu falei: “Cara, tudo bem se não conseguir vir. Eu sei que é distante”. A pessoa falou: “Como é que eu não vou para a audição do meu disco?” E é isso. O disco é de geral e representa essa maturidade. Mudou isso.
Eu espero que, depois do disco, mude a vida corriqueira, o cotidiano, financeiramente. Quero ter mais tempo, quero ter mais paz. Poder pagar um plano de saúde, tá ligado? Viver um pouco mais saudável. Tem sido difícil viver essa vida dupla de artista e de trabalho adulto. Mas eu não jogo essa responsabilidade nele [no disco], não. Acho muito injusto jogar essa responsabilidade para ele. O único compromisso que ele tem comigo e com as pessoas é de emocionar. O resto, a gente vai continuar correndo atrás. A gente vai tocar na Casa Natura Musical, tá ligado? Duas vezes! Duas vezes! [No projeto Frequências e participando do show do Deekapz] Então a gente tá bem tranquilo. A maturidade traz um pouco disso para a gente.
O álbum é atravessado por áudios. Como surgiu aquele incluído na faixa “Melodia&Barulho”?
Aquele áudio chegou na semana que a gente tinha que entregar o disco também. Em abril, gravamos 99% do disco. Fomos para um sítio, fizemos um camping e gravamos tudo. Saí de lá achando que tinha acabado o disco, mas, quando ouvi, vi que precisava de um fio narrativo. Só tinha uma mixtape de músicas — um compilado de músicas boas, mas um compilado de músicas.
Tenho uma proximidade muito grande com a Gabrielle Neves, uma comunicadora que a gente acompanha há muitos anos e que acabou virando parte da nossa vida pessoal também. Trocando ideia, mostrei o disco para ela e falei que tava precisando desse fio narrativo. Ela topou me ajudar a construir essa narrativa. Então a gente sentou, pesquisou, estudou, escreveu um roteiro do que a gente queria e entendeu que esse lance do áudio era um fio condutor. Não queríamos cair no limbo do áudio de WhatsApp. A gente queria trabalhar diferentes texturas de áudio. E aí, a gente foi prevendo, assim: “Na música 1, dá para ter um áudio do Ramon Sucesso falando. No áudio da Cristal, tem que ter uma coisa meio atuação”… Nessa parte do meio do disco não tinha. O que tava fazendo essa função era a voz da minha filhota, a Mali. Nessa mesma semana, minha tia Renata me mandou mensagem.
Minha tia Renata é muito importante na minha vida, ela me maternou. Eu tenho a minha mãe, mas, num outro aspecto, ela foi um pouco minha mãe em algumas situações. É a tia que me levava para o charme, me chamava para tomar uma cerveja, que cuida desse lado meu. E ela mora onde eu cresci, em Parada Angélica, na Argélia. Aí ela me mandou esse áudio falando que eu tava mal — e, realmente, passei por períodos difíceis no processo de construção do disco e da minha carreira como um todo, inclusive o processo de distância da minha família por ter me mudado. Quando ouvi, eu pensei: “Que primor, que coisa bonita, espontânea”. Fui e coloquei no final de [da faixa] “Melodia&Barulho”. Mas é mais uma intro de “Bom&Novo” do que um encerramento de “Melodia&Barulho”, porque ela termina me chamando para ir passar um tempo com ela, e “Bom&Novo” fala sobre ir para Argélia, né? Ela falou: “Pô, moleque, tá cansado, tô vendo que você não tá dormindo, tá passando perrengue, esquece essas coisas um pouquinho, vem pra cá”. E aí eu vou… Foi muito legal ter esse áudio dela.
No início do disco, eu tava muito perdido. Fui construindo ele, meio lapidando. No final, o disco já tava tão formadinho que o que era para estar nele era natural. Por isso que a gente colocou “Não É Tarde” no final, por isso que esse áudio entrou também. Feliz para caramba de ter eternizado essas pessoas que estão nos áudios. Quero agradecer a tia Silvinha, o Leall, meu parceirão, a [MC] Luanna, que eu amo de paixão, minha tia Renata, minha filha… Acho que, se o disco é bonito e artístico, essas pessoas têm tanto mérito quanto os músicos.