nos bastidores da casa com Don L

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Nesta edição do Nos Bastidores da Casa, te levamos até o camarim para uma conversa exclusiva com Don L e dessa vez, o papo foi além da música. Falamos sobre o cinema cearense e no centro da conversa, a obra do diretor Karim Aïnouz, que inspira não só os títulos, mas também os enredos internos que atravessam a discografia do rapper. 

1. Se você tivesse que escolher um Top 3 dos filmes do Karim Aïnouz que mais dialogam com a sua visão de mundo e de arte, quais seriam e por quê?

1 – O Céu de Suely: tem muito da minha história. Fala sobre esse movimento do êxodo, de sair do seu lugar, voltar e, mesmo assim, se sentir um estrangeiro onde nasceu. Nenhum lugar parece ser o seu. Depois que você vai embora, fica com uma vontade que nunca se preenche, porque, no fundo, esse êxodo é interno.
2 – O Marinheiro das Montanhas: me tocou profundamente. É um filme em que o personagem vai atrás da história da própria família e essa busca diz muito sobre a nossa condição como povo, como parte dos “Condenados da Terra”. Ele cita o livro do Fanon e fala sobre a revolução argelina, traçando conexões muito bonitas e sutis com a nossa realidade colonial no Brasil. É um documentário que entrou para a lista dos meus favoritos da vida.
3 – Madame Satã: também fala sobre um outro tipo de não-lugar. Acho que os filmes do Karim exploram muito essa ideia do sujeito em êxodo, que muitas vezes não é físico. No caso do Madame Satã, não se trata de uma pessoa que saiu geograficamente do Nordeste, mas de alguém que rompeu com o lugar que ocupava socialmente, numa transformação profunda de identidade. É uma abordagem diferente, menos óbvia, mas ainda dentro desse mesmo universo temático. Além disso, o Karim tem um rigor técnico impressionante, os filmes dele são muito bem construídos, com uma direção de arte que sempre me chama atenção. 

2. O que te levou a escolher Karim Aïnouz como referência para os títulos dos seus álbuns?
A escolha do Karim como referência tem muito a ver com essa questão que aparece nos filmes dele: a experiência de ocupar esse “não-lugar” do êxodo. Às vezes, mesmo estando no lugar de onde você vem, já não se sente pertencente. Em muitos casos, essa saída acontece na busca por uma abundância material mas, na verdade, essa busca pode ser interna. Vejo muito disso nas obras dele: a tentativa de preencher um vazio.

3. Como você enxerga o momento atual do cinema cearense e sua importância na cultura brasileira?
Acho que os artistas cearenses têm uma ambição muito grande. Viemos de um lugar marcado pela escassez, de um estado que nunca teve grandes riquezas materiais, e que não fazia parte dos grandes centros. Mas isso não nos livrou da violência colonial e da escravidão, mesmo que em menor escala. Criamos uma cultura de fazer muito com pouco.
Sou do interior do Ceará, onde a seca e a escassez sempre foram parte da vida. A espera pela chuva, pela abundância, era constante. Quando essa abundância não vinha, muitos migraram. O cinema e a arte cearense refletem essa realidade: a habilidade de criar com o que se tem, transformado a escassez em força.

4. Se sua música fosse um filme, qual seria o gênero?
Queria que não fosse drama, mas acaba sendo né (risos). Com tudo que um drama tem de altos e baixos, grandes momentos e plot twists.

5. O que podemos esperar dos seus próximos passos?
O próximo lançamento é o ‘Caro Vapor Vol. 2’, que traz um conceito diferente, mas ainda conectado com o que já foi dito. Minha discografia conta uma história, e é curioso como muita gente entendeu o ‘Caro Vapor’ só depois do ‘RPA Vol. 2’. O ‘Caro Vapor’ tinha uma abordagem mais hedonista, mas com bastante conteúdo político nas entrelinhas. O ‘RPA Vol. 2’ foi mais explícito nesse sentido, e agora o ‘Caro Vapor Vol. 2’ vai seguir esse caminho, fazendo parte dessa jornada.

Entrevista por Renata Rosas para a Casa Natura Musical

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