Zudizilla: escrevendo sua história e deixando seu legado

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Dono de três álbuns que formam a trilogia da Ópera Preta, Zudizilla desbrava uma nova fase de sua carreira através do seu estilo musical próprio e inconfundível. Dentro da cena do rap, mas bem além do que só rap, o artista traz um repertório diversificado e autoral conectado às experiências como um verdadeiro poeta.

Direto do extremo sul do Rio Grande do Sul, mais precisamente de Pelotas, Zudizilla conquistou novos espaços por meio do seu som hipnotizante, que conversa com o íntimo e o externo do seu público. Seu primeiro álbum foi o “Faça a Coisa Certa”, lançado em 2016, seguido pelo EP JAZZKILLA; que marcaram o início dessa jornada musical.

Durante a sua passagem pela Casa, batemos um papo cabeça com Zudizilla sobre as múltiplas histórias, visões e crenças que formam a pessoa e ao mesmo tempo o talentoso músico. Na íntegra da entrevista, ele compartilha reflexões profundas sobre o impacto de sua música na comunidade negra, a influência do afeto em sua arte e como a cultura sulista se entrelaça em sua criação musical. 

Quanto aos próximos passos de sua carreira, Zudizilla mantém o mistério, prometendo mais material audiovisual e um álbum que certamente vamos amar. Com uma energia única e uma ideologia própria, ele continua a surpreender e cativar o público, revelando-se um artista multifacetado e comprometido com seu legado de autoconhecimento e expressão.

Confira a íntegra da entrevista: 

Foto: Noelia Nájera

Como você acredita que a sua música impacta pessoas negras? 

Partindo de onde a minha narrativa vem, de onde eu tiro forças para produzir, a minha música sai muito deste lugar de reestruturação da identidade de uma pessoa preta que foi colocada e está num ambiente que não é próspero – que é o Rio Grande do Sul. É muito difícil a gente prosperar no RS, especialmente e principalmente porque temos uma perda de identidade muito grande e proposital, mas que também é algo que o Brasil inteiro sofre. Eu só fui entender isso quando eu saí de Pelotas pela primeira vez, e quando eu retornei para lá, eu entendi que o que eu estava fazendo e falando tinha muito mais força do que eu imaginava. Eu falo de um lugar que é próprio, onde eu trago a minha menor célula, mas eu passo a entender que a minha micropartícula faz parte de outras pessoas pretas como eu, que passam e sentem aquilo que eu vivencio. Então, quando eu sou sincero comigo, automaticamente eu trago uma legião de pessoas que vão vir pela frente, que estão no agora, e que lutaram lá atrás para que eu estivesse aqui abrindo a boca para fazer justamente isso. Então, para mim, é muito mais uma relação de continuidade do que outras pessoas já fizeram, do que propriamente de um propósito. Não é um propósito fazer música que impacte pessoas pretas, mas sendo preto e estando vivo, eu dou continuidade ao legado de outros pretos que pularam cerca, que correram quilômetros, que criaram quilombos, que apanharam para que eu chegasse aqui e eu não consigo fazer diferente. Então, eu não sei o quanto impacta, mas eu sei que é doido (risos).   

Muitas vezes falamos sobre luta negra, mas esquecemos do papel do afeto também. Como o afeto age na sua vida e na sua música? 

Eu sou muito mais afetuoso do que qualquer pessoa pode imaginar. Eu venho de uma família extremamente matriarcal, fui criado pelas minhas irmãs e pela minha mãe e fui cercado de amor pra caramba. Até o fato do meu som ser tão subjetivo é porque eu acredito que se eu for extremamente direto, violento e agressivo eu provavelmente vou estar atingindo um semelhante meu, enquanto meu opressor não tá me ouvindo e ainda capitaliza com a minha agressividade. Então, o fato de eu trazer o afeto pro meu trabalho é muito mais uma relação de subversão da minha própria imagem, porque eu já tenho uma imagem que parece que eu vou roubar, que eu vou bater, que eu vou brigar… e quando eu consigo virar essa chave, a galera entende que eu sou mais focado no estudo do que propriamente nos meus punhos. Eu sou muito mais focado na minha energia do que propriamente no meu corpo.  Eu acho que isso é revolução também, o afeto preto é revolucionário e Bell Hooks já dizia isso.

Zudizilla na Casa Natura Musical (2023) | Foto: Caio Henrique

Como artista originário do sul do país, como você enxerga traços da cultura e identidade sulista na sua música? 

Tanto do lado do ódio, de onde surge grande parte da minha obra. Quanto do lado do afeto, da saudade, do amor, que é o lugar onde eu construí minhas memórias e grande parte da minha história. Eu cheguei em São Paulo eu já era eu; e é difícil não carregar essa história nas costas, especificamente, quando grande parte dos meus amigos que sonham o que eu sonhava ainda tão lá no corre. E isso faz com que eu não me perca de mim mesmo e consiga trazer isso para dentro do meu trabalho para trazer peculiaridade. Eu ainda boto “tú” ao em vez de “você” no meu som, e eu já to há cinco anos aqui (São Paulo). Eu até escrevo, mas apago e tento trazer a forma da gente flexionar o verbo porque são essas pequenas coisas que vão me identificar. Eu não sou um grande fã de regionalizar as músicas, eu sou fã das culturas regionais – especialmente quando a música não é daqui. A música em si é homogênea e é muito doido o quanto você consegue trazer peculiaridades para as coisas e tornar aquilo totalmente diferente. Isso é mais ou menos o que eu faço. 

Zudizilla, conta pra gente: no seu último álbum, “Zulu: Quarta Parede, Vol.3”,  terão novos clipes? E tem algum spoiler dos seus próximos passos de carreira? 

A gente vai ter mais material audiovisual sim. Talvez não um clipe, mas novas estéticas visuais. Eu já defini a sonoridade do meu próximo álbum. É muito doido porque a galera tá ouvindo as letras que eu escrevi em 2017; faz seis anos que existe a “Ópera Preta”. Então, eu já sou outra pessoa, já vivi muitas outras coisas, muitas outras experiências e foi muito difícil conter o meu eu para não misturar com o meu eu antigo para conseguir ter uma obra em que eu fosse coeso. E o que vem pela frente é outras fitas. Eu não posso falar o que é, mas eu posso dizer, com toda certeza do mundo, que eu vou ter um álbum foda de novo (risos). E, antes, eu ainda vou produzir um álbum muito foda de uma pessoa que vocês gostam muito. 

Direção: Diogo Comum

Texto por Ana Paula Moreira Oliveira (Aníssima) 

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