Em um universo artístico que muitas vezes se restringe a estereótipos e padrões, Ayô Tupinambá emerge como uma força de expressão autêntica. Ela não se encaixa em definições simples; ao contrário, é uma sinfonia de identidades que desafiam expectativas. Travesti, afro-indígena, gorda, macumbeira, bissexual e periférica, Ayô transcende rótulos convencionais para se apresentar como um ser único e multifacetado.
Em sua passagem pela Casa, a nossa equipe de conteúdo bateu um papo com a talentosa artista sobre sua jornada musical e representatividade. Ayô compartilha suas reflexões sobre a transição, celebração, afeto e a poderosa conexão entre sua vida espiritual e musical, especialmente em seu recente encontro com o axé. Além disso, ela nos dá uma prévia dos próximos passos de sua carreira, incluindo a expectativa pelo lançamento de um álbum e sua incursão no universo do samba.
Ayô se destaca não apenas como uma grande multiartista, mas como uma voz significativa que ressoa nas experiências de indivíduos, oferecendo visibilidade e esperança para aqueles que buscam despertar e reafirmar suas próprias identidades.
Como você acredita que a sua música impacta pessoas negras e também a comunidade trans e LGBT+?
Através das minhas músicas, eu falo sobre as minhas transvivências; seja enquanto uma pessoa preta, seja enquanto uma pessoa trans ou seja enquanto uma pessoa de axé. Eu acredito que esta ocupação de espaço enquanto uma travesti é extremamente importante para dar visibilidade e ser para uma referência que eu não tive quando era mais nova.
Que frase você falaria para pessoas negras e/ou trans que estão em busca de despertar e reafirmar a sua identidade e existência?
Acredito que a gente tenha que entender que cada pessoa tem um processo, sem pressa. Existem coisas que vão disparando gatilhos de forma positiva para a gente ir se encontrando. Antes de transicionar, eu me sentia muito deslocada em todo lugar e a transição girou a minha chave de aceitação enquanto um corpo travesti, enquanto um corpo gordo e enquanto um corpo preto. Então, eu acho que é cada um no seu processo, entendendo cada momento e aproveitando. Acho que quando a gente é um pouquinho mais novo, a gente têm uma ânsia por viver as coisas e eu tenho percebido que cada coisa tem seu tempo para acontecer e que em algum momento a gente reflete e consegue perceber que, por mais que sejam difíceis algumas coisas, aquilo ali também corrobora em algo positivo para gente.
Muitas vezes falamos sobre luta negra, mas esquecemos do papel do afeto também. Como o afeto age na sua vida e na sua música?
Quando eu comecei a escrever minhas músicas, eu estava muito nesse lugar de sobreviver, tentar lutar. E tem essa coisa de que dificilmente a gente celebra as coisas que conquistamos enquanto povo preto. Mas eu tenho conseguido viver e cantar esses afetos. “Cabrera” é uma música que fala sobre amor de uma forma muito específica e leva o poder de esperançar – poder ver que é possível viver algo bom, viver afetos e viver amores.
Para você, qual é a melhor forma de celebrar quem a gente é? Como você traz esse orgulho e felicidade para a sua vida também?
Pra mim, cantar é a melhor forma de celebrar. Mas eu acredito também que tem uma coisa da coletividade. Eu morei um tempo no Nordeste, foi lá que eu comecei o meu processo de transição e, quando eu volto, sou muito acolhida por um grupo de travestis aqui de São Paulo. Esse coletivo de travestis me acolheu de uma forma muito poderosa e fez com que eu pudesse celebrar, acho que é isso.
Ayô, você se declara como afro-indígena. Como você entende que a cultura e identidade afro-indígena te fortaleceu no seu crescimento, autoestima e na sua arte?
Eu tenho passado por um processo de retomada. Todo mundo acha que “Tupinambá” é um sobrenome artístico, mas é meu sobrenome por parte de pai. E por muito tempo, a família do meu pai apagou essa história. Então, começar esse processo de retomada tem me potencializado no sentido de entender quem eu sou, até onde eu posso ir e que eu não estou sozinha. Essa coletividade tanto preta quanto indígena está dentro de mim e me fortalece. Às vezes, é um processo doloroso porque é um epistemicídio, um apagamento da sua própria história. Então, começar esse processo pode ser um pouco difícil, mas potencializa porque não tem como você prospectar futuro sem entender o seu passado, sem entender a sua ancestralidade.
Você falou também sobre seu encontro com o axé. Como está sendo esse encontro para você e no seu processo de retomada da ancestralidade?
Eu venho de uma família evangélica. Eu cheguei a ser missionária uma época e foi até a missão que me levou para o Nordeste; e lá eu comecei o meu processo de transição. Estar dentro do axé tem sido um lugar muito potente desde o primeiro dia em que eu pisei no terreiro, eu tenho sido potencializada. A minha vida espiritual e musical sempre estiveram muito ligadas e, na primeira vez que eu estive no terreiro, Exu me fez cantar. Então, potencializa a minha vida, mas também potencializa a minha arte.
Ayô, conta pra gente um spoiler dos seus próximos passos de carreira?
Bom, eu quero muito lançar um álbum ano que vem – já passou da hora de lançar um, né (risos). Eu também acabei de lançar meu primeiro samba, que é “Dona Maria Mulambo”, de uma experiência que eu vivi no terreiro. Então, acho que passa por esse lugar das músicas que eu já faço, mas também prospectar algo pro samba nos próximos meses, anos…
Texto por Ana Paula Moreira Oliveira (Aníssima)