Chico César: “Quem sabe não voltaremos com sede de encontro?”

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Foto: José de Holanda/Divulgação

Chico César não separa arte e ativismo. Em seu 12º disco, O Amor É um Ato Revolucionário, lançado em setembro do ano passado, o artista paraibano pensa sobre a nossa vivência no Brasil do final dos anos 2019 e constrói, além de críticas sociais políticas em tom poético, reflexões sobre as relações que temos com a Internet e as redes sociais. Tudo isso musicado em cima de uma mescla de gêneros que vão do rock ao reggae, brega e músicas contemplativas.

Convidamos Chico para conversarmos sobre a atual situação do Brasil e do mundo com o alastramento do coronavírus, como está sendo a sua rotina durante este período de reclusão, seus pensamentos sobre esta crise que estamos enfrentando e o papel da música e da arte nisto tudo.

Leia abaixo:

Casa Natura Musical: Qual você acha que é o papel da arte nesse momento tão caótico que estamos vivendo, provocado pela propagação da COVID-19 no Brasil e no mundo?

Chico César: O papel da arte e dos artistas é reconhecer que o protagonismo neste momento é da ciência e dos cientistas, da medicina e dos profissionais da área de saúde.

CNM: No seu último disco, você propõe o amor como um ato revolucionário, uma saída para enfrentar as trevas (que tinham um outro significado na época do lançamento do disco). O que você acha que pode ser a saída pra este momento que estamos enfrentando agora? (ou pelo menos o que você acha que pode ajudar a atenuar a situação?)

CC: A saída é a entrada. Que cada um possa entrar em si mesmo e perceba sua própria desimportância. Que a vida existe sem nós mas nós precisamos muito uns dos outros e da natureza, da vida em si. A treva, penso, é a mesma: o capitalismo predatório, monopolista e excludente. O desprezo pela natureza e por quem trabalha, pelas pessoas mais pobres, é o mesmo.

CNM: O que você anda fazendo neste momento de reclusão?

CC: Durmo bastante, tomo sol, fico com meus bichos, componho, toco, leio, cozinho, como menos, converso com pessoas pela internet, vejo televisão e lives de outros artistas, ligo para amigos e familiares. Agora retomo virtualmente as aulas de pilates presenciais interrompidas pela situação de necessário isolamento social.

CNM: Você está/estava produzindo algum novo disco ou novo trabalho? Teve muitos shows cancelados? Já participou ou vai participar de alguma live no Instagram? O que você está achando deste movimento de os artistas e produtores proporem lives de shows?

CC: Todos nós tivemos shows cancelados, compromissos que estavam agendados para até maio foram desmarcados ou adiados para meados do segundo semestre: setembro, outubro. Inclusive o show Violoz, em duo com Geraldo Azevedo. Vou participar sim de lives. São muitas as iniciativas para reunir virtualmente a comunidade artística e a sociedade, nosso público parceiro. Acho bom, é um jeito das pessoas dizerem umas para as outras: estou aqui. E perguntarem: você está aí?

CNM: Muita gente acredita que, depois da crise provocada pela COVID-19, as nossas vidas não serão as mesmas e que este momento mudará completamente a relação que temos com o mundo, principalmente no Ocidente. No âmbito da música e da cultura, percebemos que esta crise expôs a fragilidade da indústria da música no Brasil e da sua atual dependência de shows ao vivo. O que você acha que podemos esperar disso tudo?

CC: Esperar a mudança e entendê-la como inevitável para agir no presente sem os instrumentos do passado recente. De algum modo vamos entender melhor a importância da monetização dos serviços virtuais. Por outro lado também poderemos ser mais virtuosos e valorizar mais a presença física, a performance in loco, a experiência compartilhada no corpo-a-corpo. Quem sabe, depois desse enclausuramento coletivo, não voltaremos com sede de encontro em salas menores para ter radicalizado o prazer da troca? É importante agora não ter respostas. E aproveitar a incerteza. Não viver apressadamente esse ciclo que nos pede, e nos obriga, a termos calma. É ótimo não saber o que se vai fazer, o que será de nós. Vagar, devagar, divagar. Vagarosamente.

Texto originalmente publicado na newsletter #18 da Casa Natura Musical, disparada no dia 30/03/2020.

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