
Em agosto, recebemos CATTO mais uma vez em nosso palco, desta vez com CAMINHOS SELVAGENS, um de seus trabalhos mais íntimos. Presença marcante aqui na Casa desde a inauguração, entre participações e shows solo, ela apresentou diferentes eras em nosso palco. No camarim, aproveitamos para conversar um pouco sobre essa nova fase e sobre as lembranças que carrega desses anos.
Celebrando 15 anos de carreira, CATTO transforma memórias e silêncios guardados em canções que ficaram anos em maturação, compostas em paralelo a outros projetos e só agora reveladas ao público. O disco nasce como um rito de passagem, um mergulho em suas vivências mais íntimas, traduzidas em letras confessionais e arranjos intensos.
Reunindo composições criadas em diferentes momentos, algumas escritas antes da pandemia, outras nascidas em meio a ela, CAMINHOS SELVAGENS inaugura também uma nova fase estética, em que referências do indie e do rock alternativo dos anos 1990 se encontram ainda mais fortes e também se desdobram em visuais que expandem a experiência sonora desse trabalho.
Entenda como a artista porto-alegrense CATTO deu forma a esse trabalho e às referências que o atravessam.
Casa Natura Musical: Já te recebemos em diferentes fases de sua trajetória. Que memórias disso tudo você carrega nesse seu novo momento?
CATTO: Cara, foi tudo muito louco. Acho que tudo é uma construção, a gente é o resultado das nossas experiências. Sendo uma artista de palco, sinto que fui formada por esses lugares que acabam virando nosso espaço sagrado de trabalho, né? A Casa é um deles. Toquei aqui na inauguração, numa festa linda com Vanessa da Mata, Johnny Hooker, Xênia França e Maria Bethânia, foram dois dias de show, uma bruxaria tão bonita. Desde então, estou sempre voltando, sempre fazendo shows na Casa Natura Musical. Tivemos algumas edições bem especiais do Belezas, que foi a última turnê. E agora, estou estreando com CAMINHOS SELVAGENS. Tô muito feliz!

Você fala que Caminhos Selvagens é o trabalho mais íntimo. Como foi escolher as histórias que entraram nesse álbum?
Acho que não foi uma escolha minha, foi uma escolha da própria obra. Eu sou muito entregue a esses chamados. Se não sinto um convite da música para que ela exista, acho que ela não tem que existir. Não sou muito de bater cabeça, de ficar insistindo. Mas quando um trabalho como CAMINHOS SELVAGENS se impõe dentro do meu desejo, sempre é uma missão. E o mais importante desse trabalho é que ele foi uma missão de muitos anos. Foram sete anos de dedicação a esse disco, concebendo, pensando, sofrendo, me curando de muita coisa, me colocando na berlinda e me desafiando como cantora e produtora.
Enfim, acho que é um disco muito íntimo, muito parido das minhas experiências mais profundas. É uma exposição que, ao mesmo tempo, é belíssima. Eu acho que é importante essa exposição acontecer, mas que dói muito. Acho que agora estou começando a sentir um pouco mais de conforto em fazer esse trabalho, porque, até então, era um trabalho que me deixava bastante emotiva.

Nos comentários do visualizer de “EU NÃO APRENDI A PERDOAR” uma pessoa fala que o David Lynch amaria sonhar essa música e esse videoclipe. Se esse álbum fosse um filme, que gênero ele seria e quem dirigiria? Pode ser do Lynch ou não.
Ah, eu acho que se esse disco fosse um filme, seria um thriller erótico dadaísta, com várias coisas malucas. E sabe quem poderia dirigir? Acho que tem muito a ver com Karim Aïnouz. Seria chique CAMINHOS SELVAGENS nas mãos dele.
Ouvindo o álbum e até mesmo a playlist que você fez pra gente, dá pra perceber vários estilos musicais, como indie e rock. Pensando nisso tudo, como foi pra você escolher as sonoridades que entrariam no álbum?
A sonoridade do disco nasceu intrinsecamente das próprias músicas. Fui compondo e, ao mesmo tempo, tocando e produzindo, e elas já traziam um universo estético, um cheiro, uma cara, um tom próprio. Claro que houve um trabalho lindo de colaboração com todos os músicos maravilhosos que gravaram o disco e participaram desse processo. Mas também foi um exercício de escutar o que a composição estava pedindo. Acho que as letras respiram nesse ambiente. É algo muito subjetivo, porque, vindo da minha trajetória, essas músicas carregam o tom das canções que sempre acompanharam a paisagem da minha história. Acho que eu só quis contar um pouquinho de quem sou através dessas sonoridades.

Teve alguma descoberta recente que mudou seu jeito de olhar para a música que você mesma faz?
Teve. Acho que a música, do jeito que faço, se tornou muito mais desafiadora e, ao mesmo tempo, muito mais simples, à medida que consegui entender o quão pequena e frágil também é a música. Ela não é feita só naquele esporro, porque existe uma avalanche de emoções enquanto está performando e existe também o rigor da execução de uma canção, que é uma coisa que deixa a gente muito humilde também de entender o nosso tamanho, até onde eu consigo contribuir com a canção, até onde estou atrapalhando a canção. E também faz o meu trabalho ficar muito mais fácil, né?
Acho que sempre fui uma cantora muito exagerada, não no mau sentido, mas eu era. Eu tinha que arrancar tudo de dentro de mim. Hoje consigo entender qual era o meu processo de vida, mas cada vez me sinto muito mais econômica. Pode não parecer, mas poder ouvir o silêncio da canção tem me atraído muito ultimamente, sabe? Então, eu não sinto que tenho que me impor como cantora mais, isso não importa tanto para mim, tanto quanto importa pintar um quadro bonito com aquela instrumentação, com aquele texto, com aquele mood da música. Acho que cada canção é um ser e esse ser vive por si só. Eu não carrego o ser. Eu acho que é outra coisa.

Você já dividiu o palco com artistas como Zélia Duncan, Marina Lima e Jup do Bairro. Entre os nomes da música brasileira que estão em atividade hoje, existe alguém com quem você ainda sonha se apresentar?
Tem muita gente legal que eu amo e admiro para dividir experiências. A Ana Frango Elétrico, por exemplo, é uma pessoa que acho que tem tudo a ver comigo. Acho que a gente faria a maior sonzeira juntos.
Eu amo a Marrom (Alcione) também, seria tudo cantar com ela. Sabe quem mais eu gosto muito? A Fernanda Abreu, que é minha amiga. Nunca cantei com ela, mas acho que seria chique fazer um feat, acho que a gente tem muito a ver. Quem mais que eu não cantei ainda? Acho que já cantei com quase todo mundo! Sou muito libriana, uma grande “vagabunda” que se deita com todas, sabe? Mas acho que é isso. Ah, Caetano também, nunca cantei com Caetano.

Esse disco representa o fim de um ciclo, mas também o início de um novo. Qual foi o maior luto e o maior renascimento que esse processo te trouxe?
Acho que o maior luto foi o da minha juventude. O nascimento de CAMINHOS SELVAGENS marcou não um fim, mas um olhar novo sobre o meu espaço, o meu tempo, as coisas que me formam, que me pertencem.
Tenho plena consciência de que esse é o meu tempo, mas eu sou uma pessoa nascida nos anos 1980, então eu vi o mundo mudar. Eu cheguei aos 37 anos e fiz esse trabalho, que não é isolado, ele faz parte de uma leva de trabalhos desde o disco CATTO, de 2017. Esse foi um período de muita pesquisa, de mergulho profundo na minha própria intimidade, de aproximação cada vez maior da minha essência e das pessoas que ajudam essa essência a se manter e a vibrar.
Hoje, sinto que cheguei em um ponto da minha vida que estou muito satisfeita com quem me tornei. Isso traz uma calma de quem está apenas em busca de trilhar o seu próprio caminho. Eu não sinto nenhuma outra necessidade e, isso é algo que vem com a maturidade.
Isso não é algo exclusivo de artistas. Todo mundo, em algum momento da vida, passa por uma fase de entendimento de si mesmo e de aceitação dos próprios limites. É “isso aqui eu não faço bem, não vou me desgastar tentando conquistar tudo”. Porque não precisamos conquistar tudo. Acho que a gente precisa ser fiel a quem é, e isso, por si só, já é conquistar o mundo.

Fotos: Felipe Giubilei, além de Registros com cybershot feitos pela própria equipe da CATTO, a pedido da Casa Natura Musical.
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