Num futuro em que a terra se torna um lugar inabitável e os seres humanos precisam migrar para outro planeta em busca de um recomeço, uma dúvida é evocada pelo rapper mineiro FBC: “Se no espaço não se propaga o som, como as gerações futuras irão escutar música?”. O artista, então, parte desta reflexão para criar o seu novo disco, intitulado O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta. Quinto trabalho de estúdio de FBC, o projeto musical explora as fases da dance music enquanto promove rimas sobre o amor e suas complexidades.
FBC ganhou destaque inicialmente no cenário do rap, mas que ao longo de sua carreira expandiu seu trabalho para explorar diversas sonoridades. Com o álbum BAILE trouxe o miami bass e conseguiu alcançar outros públicos, furando a bolha. Nascido e criado em Belo Horizonte, ele se destaca por sua habilidade em mesclar diferentes estilos musicais, criando uma sonoridade única e autêntica.
Com dois dias de shows esgotados, FBC subiu ao palco da Casa Natura Musical com sua banda completa, e o evento foi inesquecível! Nós, que amamos o trabalho do Padrim, fizemos questão de visitar seu camarim para saber sobre suas reflexões sobre o amor, perdão e tecnologia e muito mais, vem ver!
CNM: Diferente do tradicional, sua carreira se abriu para todo tipo de som possível. Além do rap que foi onde você se consolidou, seus novos projetos têm foco em outras sonoridades. Como é pra você essa busca e pesquisa de novos sons para incorporar no seu trabalho?
FBC: O louco disso tudo é que as pessoas me perguntam de onde vem essa busca, essa inquietação. Eu só estou fazendo coisas que eu já gostava. Eu ainda não comecei a fazer coisas que eu descobri agora. Eu estou fazendo até agora tudo que eu conheço, tudo que eu sei, tudo que é confortável para mim, porque as pessoas não conseguem entender essa deficiência que o Brasil tem de educar musicalmente, seja na escola ou sei lá, a gente não estuda música diferente de outros lugares. Eu faço uma métrica e um tipo de som que cabe na black music, o compasso é igual, o andamento é igual, então é muito fácil rimar com o rap em cima do house, do funk, do miami bass, porque é basicamente a mesma coisa. Agora, com essa galera do jazz chegando, vamos chegar a um lugar que será mais novo, com uma experiência totalmente diferente e inovadora. Mas de tudo que eu já fiz, house, miami bass, rap, tudo já é muito comum para mim, eu faço isso sempre, é corriqueiro.
CNM: Como você acha que a cultura de BH influencia no seu trabalho?
FBC: Então, a cultura de BH bebe muito do que acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro, porque eu moro em uma cidade recente. Se a gente for ver a história do Brasil, BH tem 120 anos, é uma história recente, diferente de outras capitais. BH é uma cidade universitária, onde as pessoas vêm da roça, é aquela mistura de coisas. Então, eu acredito que a gente ainda está criando uma cultura, e eu acredito que o que está se formalizando mesmo é o funk de BH, que hoje é famoso no mundo todo. Hoje, a gente tem exemplos de nomes muito grandes, como MC Saci, WS da Igrejinha, MC Rick, e eu acho que estou ajudando a construir a cultura de BH, a cultura periférica de música. É uma coisa que você pode olhar e ouvir para dizer que isso é de BH.
CNM: O seu novo álbum é pautado no pensamento de que se o espaço não propaga som, como as gerações futuras irão escutar música. Como você acha que a música impacta na vida das pessoas e de uma sociedade no geral?
FBC: Eu acredito que, na história da humanidade, antes do ser humano aprender a falar, ele aprendeu a cantar e a dançar, né? O movimento do corpo e o corpo dizer, o corpo falar. Então, acredito que a sociedade, não importa onde for, se for nas grandes metrópoles ou se for no interior, é música. Música é movimento, a música ajudou a sociedade a evoluir e também contou a história da evolução da humanidade nesses últimos tempos. Então, a grande questão do ‘Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta’ é como a música irá embalar a evolução no espaço quando a gente sair daqui e ir para outros lugares, daqui a anos, séculos, milênios. A minha grande inquietação ao pensar sobre como a música irá se comportar na sociedade é isso. E eu acho que faz parte, é uma válvula de escape, é um momento onde a gente se encontra, onde a gente interage, troca figurinhas, troca sentimentos, emoções. A música, acho que é a primeira expressão artística, a primeira expressão cultural que o ser humano teve.
CNM: Quais foram as suas principais referências sonoras e inspirações para compor esse álbum com essa nova sonoridade diferente dos demais de sua carreira?
FBC: Para compor, para cantar, eu me inspirei muito no Jorge Ben Jor, acho que é tudo muito “Jorge Benjistico”. Mas eu também devo muito aos produtores Ugo Ludovico e Pedro Senna, que trouxeram a disco music e me ensinaram muito sobre a evolução da disco music até se desmembrar ali para o house, para o techno e coisas que surgiram depois dessa grande segregação que a galera preta dos EUA teve por conta do racismo, de perseguição da galera, os LGBTQIAP+, os pretos, mulheres, etc. Eles falam que a música de marginal acabou com a disco music, e mesmo assim, essa vontade de vencer da galera preta, da galera latina, dos imigrantes, da diáspora da época, de continuar e de criar novas formas de dialogar e de mostrar a evolução comportamental daquele território, daquele grupo. Eu devo muito à galera de Brasília, ao Pedro Senna e ao Ludovico, que eu não sabia um terço da história, po, é muita coisa, é difícil falar né? Perco até o fio da meada porque é muita coisa pra falar em uma pergunta (risos).
CNM: O tema desse novo álbum é algo bem profundo e reflexivo. Como surgiu essa ideia de falar sobre o amor, o perdão e a tecnologia?
FBC: Ah, eu sou um cara que gosta de ver muitos filmes, gosto de ler sobre ficção científica. Penso muito no futuro, penso em quando eu não estiver mais aqui, o que eu vou ter deixado. Eu acredito que o inferno e o céu, um é uma ameaça e outro é uma chantagem, mas acredito que a eternidade é sobre os nossos atos, sobre o que a gente cultiva. Para mim, o que vai me levar para outro lugar é o amor e o perdão, e daí que veio que o amor e o perdão irão nos levar para outro planeta. E outro planeta não é necessariamente outra galáxia, outro sistema solar, mas este mesmo, o planeta Terra, onde o amor e o perdão, trabalhados de forma sincera e a entrega total, vão nos colocar em um novo lugar, um novo mundo, um mundo onde a gente possa trabalhar feliz, sem se sentir explorado. É muita coisa! (risos)
CNM: A gente sabe que BAILE foi onde você estourou a bolha do rap e chegou em outros lugares. Como esse novo trabalho dá continuidade a esse à esse lugar que você chegou?
FBC: É que, na verdade, eu sou maluco! O certo e o lógico seria eu continuar a elaborar o que deu certo, né? A regra do mercado é essa, deu certo isso então vou apostar nisso, é sugar essa coisa até não dar mais. Mas eu não ligo pra isso, eu acho que eu vivo com muito pouco, sabe? O que eu preciso mesmo é só o amor da minha família, só um lugar pra dormir. Eu já passei fome, eu já passei frio, então eu acredito que a gente não precisa de muita coisa pra viver. Então, eu também não me apego muito ao sucesso, ao que deu certo. Eu quero viver, eu quero experimentar, eu quero fazer da minha vida, que é a única que eu tenho, então eu quero viver tudo isso, tudo que já aprendi, tudo que eu já curti, todas as músicas que eu gosto, todos os estilos e gêneros que eu curto, eu quero fazer. Mas as pessoas não entendem porque a lógica do capitalismo normalmente é explorar, é sugar tudo, é esgotar aquele recurso até não ter mais e a partir disso a gente vai para o próximo. E muita gente me questionou sobre esse novo álbum, se o humano vai sair daqui e vai esgotar os recursos de outro lugar, mas a ideia não é essa, a ideia é entender que o amor e o perdão vão nos levar para outro estado de consciência, outro nível de evolução humana.
CNM: Como você falou antes, sabemos que você é muito fã de Jorge Ben Jor. Por que a obra dele te influencia?
FBC: Eu amo o Jorge Ben, eu acho que ele é tipo um astronauta, um deus, um enviado, uma reencarnação de um deus muito antigo, sei lá. Eu acho que, para mim, ele é o maior brasileiro que já viveu, o maior artista que eu já ouvi, que eu já conheci pesquisando a obra e eu ainda não entendi tudo, eu quero perguntar para ele o que ele e Gilberto Gil viram na Suíça na casa daquele alquimista, queria saber. Quando eu conheço pessoas que eu admiro, eu sempre falo que eu queria saber tudo que essa pessoa sabe, queria poder aprender com essa pessoa, e eu queria ter essa oportunidade um dia com Jorge Ben Jor. E é assim que eu me comporto todos os dias com todas as pessoas, eu acredito que todo mundo é um universo, é um mundo a ser explorado, a ser respeitado, amado e compartilhado. Eu também queria saber tudo que você sabe, por exemplo (risos).
CNM: Neste álbum, você tem a participação de Abbot em quatro faixas e comentou sobre a importância de dar oportunidade para quem ainda está começando nos corres da música. Como você acha que está se construindo a nova cena da música brasileira atualmente?
FBC: Eu vejo a nova música brasileira ainda em um nevoeiro, uma neblina, a gente vê que ainda estão as fórmulas antigas de sucesso, de ter uma manutenção do sucesso, está tudo muito esgotado, muito escasso, as pessoas não têm mais aquela criatividade que se tinha, mas eu tenho muita fé nas pessoas que estão na contramão, sabe? Letrux, Ana Frango Elétrico, Nill, principalmente a galera do hip-hop, eu vejo essa sagacidade de transformar e de trazer algo novo e também de querer manter essa linha da brasilidade. Eu tenho fé, mas eu tenho fé com o pé atrás. Eu acho que a gente ainda vai passar por momentos difíceis na música, vendo a transformação do mercado, do capitalismo, a transformação da forma que as grandes gravadoras e as grandes capitais estão querendo se transformar. Eu acredito que o caminho é o independente, é o underground, essas pessoas que realmente com pouco fazem tudo. Pra mim, hoje em dia na música brasileira, a pessoa que eu mais admiro é a Ana Frango Elétrico, eu acho que é uma pessoa que não tem medo, se dispõe a se entregar a algo que você pode julgar experimental, mas é tudo novo, é tudo muito corajoso. Com o avanço na internet, eu acredito que o Brasil ainda vai colher muita frutos, vai produzir muita gente foda que vai na contramão do mercado e eu acredito que nisso que a música brasileira vai sobreviver.
Texto por Renata Rosas para a Casa Natura Musical